Você sabe o que é Teologia?
Há quem confunda teologia com religião. E há quem pense que teologia é ciência sobre a religião.
É um pouco das duas coisas. E é mais também.
Uma definição já clássica é que “teologia é a atualização da Revelação". Ou seja, se parte da ideia de que há um conjunto de palavras inspiradas reveladas ao ser humano.
Como essas palavras e esses gestos são circunscritos ao contexto histórico-cultural em que surgiram, há a necessidade de serem “traduzidas” para o ser humano de hoje.
E é aí que entra a teologia. Como exercício de tradução, de atualização daquilo que se julga revelado.
Nesse sentido, sem fé é impossível fazer teologia. Por que? Porque há, por princípio, fé numa revelação.
Os judeus tem essa fé com a Tanach, com a Bíblia Hebraica. Os cristãos, com a Bíblia Sagrada. E os muçulmanos com o Corão, para ficar em alguns exemplos apenas.
Há, por trás dessa definição, também, outro tipo de fé. Uma fé na realidade, na atualidade. Uma visão da vida sob a perspectiva de sua sacralidade. E, com isso, a exigência de enxergá-la sob a lógica de uma revelação.
Fé na Palavra e fé na Vida.
Nesse raciocínio, a Teologia é uma espécie de "apocalipse da atualidade". Noutros termos, "revelação da atualidade". Um esforço de diálogo com as ciências humanas, literárias e sociais, com a filosofia, por exemplo, para compreender, desvendar, para significar a atualidade.
A ideia de "mito" (mito compreendido como narrativa) diz muito sobre esses dois movimentos que a teologia faz.
A compreensão tanto da revelação quanto da atualidade sob a lógica da narrativa. Compreendê-las, ambas, como resultado de muitas vozes; umas forçando hegemonia ou simplesmente reclamando um espaço.
Não se trata de tentar "demitologizar" a revelação ou "demitologizar" a atualidade. Isso é impossível. A gente pensa por meio de narrativas. Nós somos seres “míticos”.
Ao contrário: é necessário compreender a realidade toda como uma espécie de "mito", sim. Como narrativa. Como a contação de nossa história.
Nesse sentido – de que a teologia é uma tentativa de atualizar o que se julga fundamental – e de conjugar revelação e história, ética e espiritualidade – é que se coloca uma agenda, uma espécie de missão para os teólogos e teólogas:
- denunciar as vozes que forçam hegemonia,
- anunciar as que reclamam espaço
- e lutar com todas as forças contra os ídolos que exigem status divino quando não passam de artimanhas da morte (em todos os seus sentidos e formas).
Por isso tudo, Teologia não é dogma. Ao contrário: teologia é dúvida. Teologia é uma mescla de fé e dúvida. É caminhar numa corda bamba sobre um abismo escuro e silencioso.
Se é verdade que a linguagem é uma espécie de rede com a qual compreendemos e significamos a realidade em que estamos, a teologia é uma rede distinta das usuais.
Uma rede que parte daquilo que significa mais profundamente, aqueles aspectos da existência que, em geral, são negligenciados por outros saberes.
Não é uma rede que trata disso ou daquilo, mas “sobre a qual” se sustenta “quem” pensa sobre isso ou aquilo. Não é algo ‘a respeito’, mas ‘a partir do qual’.
Apesar disso – talvez exatamente por causa disso – a teologia, como linguagem, é precária, provisória e cambaleante. Toda teologia é um suspiro diante da realidade. Um olhar, ao mesmo tempo, de indignação e de esperança.
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(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com
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