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Religião e espiritualidade


Aproximações e distanciamentos práticos e conceituais

A espiritualidade está entre os componentes constitutivos da identidade humana.

O que comumente é denominado espiritual não tem nada de abstrato, ao contrário, é parte integrante do capital de cada indivíduo e, concretamente, identifica a pessoa e a torna singular.

Na história da espécie, o ponto de virada na linha evolutiva se deu, efetivamente, quando o mundo ordinário passou a ser compreendido sob o ponto de vista da imaginação, da fantasia, da transcendência.

Parece equivocada a ideia de que imanência e transcendência são polos opostos e contraditórios, como se um fosse a negação do outro, ou sua diminuição. Qualquer extremo na visão sobre o ser humano será reducionista. Ou se exagerará com uma concepção materialista ou se iludirá com uma percepção absurdamente idealista.

Se é verdade que o elemento identificatório do humano passa por sua transcendência, é verdade também que tal inclinação só se dá por conta da profunda e radical ligação dos indivíduos com seu chão, sua história e, por que não, com sua limitação.

É curioso, mas parece que o que torna o ser humano sedento por infinito é sua mais absurda finitude.

Assim, imanência e transcendência são polos de uma realidade complexa que se chama “eu”, ou “tu”. Não há necessariamente oposição, mas complementaridade. Não há, entretanto, equilíbrio; a reciprocidade se dá em meio a um diálogo tenso: encontro entre polaridades que reclamam e disputam espaço na formação da personalidade.

As religiões nasceram como expressão dessa saudável tensão que habita todos os indivíduos. Surgiram com a força de discursos que ajudam a dar sentido para esse emaranhado de apetites e aptidões. A busca por dar sentido ao mundo fez com que se desenvolvessem tais edifícios teóricos e práticos.

Na verdade, todas as denominações religiosas são variações sobre um mesmo tema; são formas distintas de significar a realidade.

A realidade é muito semelhante para todos: questões relacionadas à vida, ao trabalho, à sobrevivência, à família, aos relacionamentos, ao bem e ao mal estão na ordem do dia de todos os indivíduos. Motivo por que as máximas religiosas circulam em torno de tais ingredientes da vida.

Mas a mesma realidade guarda peculiaridades se observada sob o ângulo da cultura, dos costumes, do solo, das condições naturais e sociais e cada agrupamento humano ao longo da história. Razão pela qual as práticas cúlticas de cada religião parecem tão distintas e, por vez, conflitantes.

A tensão que, historicamente, fez dividir e conflitar civilizações inteiras se deve mais à incapacidade para lidar com as diferenças do que, efetivamente, com a oposição de ideias e objetivos.

No fundo, a intolerância religiosa torna a visão míope e demasiadamente segmentada. Em razão de não saber acolher a experiência do outro como autêntica e verdadeira, o homem religioso perde a chance de compreender a riqueza que o seu suposto oponente tem para contribuir.

Como as religiões são expressão recortada da busca humana por sentido e realização, a religião do outro me ajuda a ver e compreender o que a minha não é capaz de realizar plenamente. Isso não significa, no entanto, que a minha experiência é menor ou insuficiente, apenas que não é capaz de dar conta do todo.

Os conflitos religiosos são, antes de tudo, indisponibilidade interpessoal. O desafio mora, na verdade, no esforço para compreender e aceitar o outro.

Tal empreitada, todavia, tem sua força motriz no interior da própria experiência religiosa. O mesmo combustível que impulsiona o indivíduo para busca do significado de sua existência poderá fazê-lo tolerante e respeitador, quando o fizer ver que na experiência do outro reside parte das respostas pelas quais ele próprio tanto anseia.

O problema permanecerá na medida em que as instituições religiosas insistirem em privatizar a experiência do transcendental.

O universo que habitamos é largo demais e mais extenso ainda se torna por interferência da criatividade e imaginação humana. É muita pretensão querer torná-lo cabível nos estreitos limites desse ou daquele discurso.

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