A festa de Corpus Christi é basicamente uma celebração ampliada e festiva de um dos sacramentos fontais da fé cristã: a Eucaristia.
Tem a ver com a ideia de que o próprio Jesus está presente entre seus fiéis no simbolismo do pão e do vinho. É espiritualidade traduzida em carne e sangue.
Na história da Igreja, houve inclusive disputas e rachas doutrinários por conta disso. Quem quiser se aprofundar, pode ler sobre “memorial”, “consubstanciação” e “transubstanciação”. Afinal, o pão “é plenamente”, “é na celebração” ou apenas “representa” o corpo de Cristo?
Há, todavia, duas aplicações que me tocam mais profundamente do que uma eventual visão mágica do sacramento.
Em primeiro lugar, a partilha do pão. “Este é o meu corpo que é dado por vocês”. A presença de Deus na história tem a ver também com barriga cheia. Num planeta de 2 bilhões de famintos, é no mínimo escandaloso que se discuta doutrina religiosa e se esqueça de partir o pão e denunciar porque é que há gente com pão apodrecendo e tanta gente apodrecendo por falta de pão.
Além disso, a unidade de quem se senta ao redor da mesa. O primeiro texto do Novo Testamento que registra o memorial eucarístico está na primeira carta paulina a igreja da cidade de corinto. No capítulo 11, há a lembrança do memorial. No capítulo seguinte, I Co 12, a analogia da igreja com o corpo de Cristo. Mais importante que o pão partilhado naquela ceia, eram as pessoas ao redor daquela mesa. “Este é o meu corpo”. O corpo de Cristo é o conjunto das pessoas que se sentam ao redor de sua mesa. Essa é uma potente reflexão em tempos de tanto ódio social: na pluralidade daqueles que o seguiram, deveria haver uma unidade fundamental em torno do evangelho.
As festas religiosas tendem, com o tempo, a se fecharem em si mesmas e, com isso, deixam de comunicar sua mensagem originária. Cristalizam-se. E tornam-se anacrônicas.
A Eucaristia só faz sentido se nos mobilizar para o anúncio da Evangelho na denúncia das injustiças desse mundo faminto. Só terá relevância se a mensagem do Reino de Deus for seguida de sinais concretos de unidade, tolerância, perdão e liberdade, nesse tempo de ódios.
Fora disso, não é espiritualidade. É ritual.