Falar sobre morte é algo estranho à dinâmica da sociedade moderna, baseada no elogio da vida e de suas belezas. Os mortos não consomem.
Mas não tocar no assunto é condenar a vida a superficialidade. A vida, sem o seu ocaso, é um engodo. Mais do que maquiar, o silêncio sobre a vida, esvazia-a de sua densidade. Artificializa-a.
Encarar a realidade da tensão vida e morte é diferente de , simplesmente, falar de morte. É um pouco mais: é rever a vida sob a ótica de sua provisoriedade. E isso dá ao ser humano a perspectiva de seu lugar e de seus desejos mais profundos.
As religiões são emissárias dessas vozes que povoam o coração humano - uma mescla de rejeição, precaução e cuidado. As promessas do pós-morte são ensaios da vida. São esforços de quem ama a vida ao ponto de dela não desejar se desapegar.
A celebração da morte alheia é a antecipação cotidiana da nossa própria finitude. O luto e suas dores preparam o caminho. Não há nada de errado em lavar os jazigos e adorná-los com flores. Neles, em algum sentido, cuidamos do passado e anunciamos o futuro.
Na despedida permanente dos antepassados, e no cuidado com os que vivem o crepúsculo da vida, construímos a identidade que aos poucos vamos assumindo. E, em certo sentido, antecipamos nosso destino.
Mesmo para ateus e agnósticos, a morte adensa a vida. Preenche-a. Significa-a.
Compreendê-la não é o mesmo que explicá-la. É descobrir o nexo que há entre tudo. Essa estrutura invisível que suporta toda a existência. Se isso for bem feito, a vida promete ser bem mais radical. É isso o que fica.