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Sobre a tapeçaria da vida ...


As analogias têm um poder interessante: fazem com que pensemos sobre questões comparando-as com outras (que não precisam ser necessariamente do mesmo campo semântico, ou da mesma natureza). A filosofia, por exemplo, conhece analogias fortes e analogias fracas. As fortes são as que, no ato de comparar, o faz levando em consideração aspectos fundamentais que não comprometem a validade do raciocínio. As fracas são diferentes; são frágeis nos seus paralelos. O mais belo, entretanto, nas analogias, é a capacidade que têm de nos fazer ver as coisas sobre outro prisma e, ao mesmo tempo, simplificar a compreensão da realidade.

Permito-me, então, propor uma analogia. Convido o leitor a me acompanhar na construção de argumentos e comparações que podem ajudar na compreensão dos nossos (des)caminhos.

Você já observou com atenção os tapetes? Já dedicou algum tempo para olhar com mais cuidado os fios que se entrelaçam e formam uma teia bem ajustada? Pois bem, a mim me parece que a vida é muito semelhante aos tapetes.

Primeiro porque a vida é feita de fios. Fios que se laçam mutuamente. Em princípio, cada fio é e existe independente do outro. São soltos e singulares. Mas, da maneira como estão postos, se ajuntam de forma praticamente indissociável. Como na vida, nos tapetes há a face visível dos fios que se põe para cima, onde os pés pisam e os olhos vêem; mas a face oculta, voltada para o chão, onde a poeira se acumula, onde os olhos não alcançam e, sobretudo, onde os fios estão com as pontas soltas. São imagens bem distintas: a face explícita, em que formas, cores, texturas são cuidadosamente planejadas e mostradas; a face escondida, em que os fios soltos revelam a provisoriedade da trama e a fragilidade do tecido.

Tapetes e destinos são semelhantes, também, porque em ambos os casos há um aparente planejamento da trama, mas o resultado final pode ser bem distinto do arquitetado. Há tapetes em se pisa, para os quais nem sequer se olha; há tapetes sobre os quais, a despeito de estarem no chão, há receio e cuidado em se pisar, tamanha sua beleza ou delicadeza; há tapetes que se penduram em paredes, com o fim de serem apreciados; há tapetes que forram, aquecem, vedam, acolchoam, que tornam acolhedores; o que os diferencia, basicamente, é seu uso.

Há, por fim, uma semelhança desconcertante: tapetes e vidas se gastam exatamente porque se dão ao uso. Vidas vividas; tapetes pisados! O curioso é que, em ambos os casos, o sentido não está no início (quando ainda se acasalam os fios soltos) ou no fim (quando o desgaste do atrito torna o tecido fragilizado), mas no caminho. Se há algum sentido ele não está numa prévia visão do “produto” acabado, antes no fazer-se que se dá na caminhada.

Os fios soltos (que saltam aos olhos de quem se aventura a virar o avesso do tecido) revelam a riqueza desorganizada da vida. A face visível é um truque dos artesãos que conhecem a arte de enganar os olhos. Os fios que fazem o tapete só permanecem coesos porque se permitem deixar pontas soltas e dispersas sob sua face explícita. Na vida, só há algum mínimo senso quando se permite aceitar as pontas difusas que lastreiam a face que nos permitimos mostrar publicamente. Há mais sob do que sobre!

Vidas e tapetes são superfícies sobre as quais pisamos. Mais valiosos que elas, as superfícies, são os pés. Há pés que insistem em pisar passos de ritmo constante. Mas os pés pisam, a despeito da vontade de quem os quer comandar, passos incertos.

Na filosofia, as analogias servem para concentrar o olhar sobre aspectos considerados importantes e focar neles a visão. Aqui, nesse texto, que, como qualquer tecido têm fios com pontas soltas sob a superfície, há uma face que se vê e outras que não se vêem, senão se permitir virar o avesso e inalar alguma poeira.

Tapetes vividos! Vidas pisadas!

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