O Brasil está à beira do precipício. Nossa democracia periga. Embora não seja o primeiro momento em que isso ocorra, o atual é profundamente delicado.
A polarização PT x PSDB dos últimos 20 anos se exauriu. De um lado, o PSDB boicotou a República (desde o pedido de recontagem de votos até o impedimento da presidente eleita) unicamente para desestabilizar o governo que já claudicava. De outro, o PT, além de sofrer um impeachment, teve seu mentor e líder preso; e há um sentimento amplo na sociedade de rejeição à esquerda.
Independente do juízo de valor que se faça sobre ideologia e responsabilizações, o fato é que as lideranças políticas recentes estão em xeque. A população está se mostrando ostensivamente cansada e decepcionada.
Além disso, o legislativo é incapaz de assumir o leme do país, ao menos como ente fiscalizador. Como sempre, tem se portado como mercador na bacia das almas. Atua exclusivamente em benefício próprio. A anomia gerada pela exaustão dos principais entes partidários (PT e PSDB pelas razões já expostas) e PMDB (por sua trajetória de oportunismos) propiciou relações nada republicanas. O centro político se esgarçou. Os atores mais proeminentes nessa eleição foram os que, em algum sentido, radicalizaram. À direita, o nanico PSL. À esquerda, o experiente PT.
O judiciário - que até bem pouco tempo atrás gozava de credibilidade, apesar de sua longa história de favorecimentos - revelou-se como mais um ator no tabuleiro político. Eleitoral, inclusive. Também o MP age seletivamente.
E, de novo, setores militares estão se apresentando como mediadores. Têm ecoado a insatisfação social com base na incompetência do Estado no tocante à segurança pública, por exemplo. Há, inclusive, iniciativas intervencionistas na ordem do dia. E, pior, com aplausos da grande massa.
A imprensa age como partido. Escolhe lado, elabora estratégias. Eleva uns, defenestra outros. Atua como porta-voz e, ao mesmo tempo, mentora. É a grande instituição ideológica da contemporaneidade. A notícia tornou-se propaganda.
As redes sociais potencializaram essa notícia/propaganda. E deram voz às multidões historicamente silenciadas. Mas o que prometia ser a democratização da informação, tornou-se arena de embates e ódio.
Um outro componente é a convergência política dos setores mais conservadores do catolicismo com as alas emergentes do neopentecostais igualmente reacionários e avessos às pautas liberais de direitos humanos, por exemplo.
Nesse caldo de caos, crise e medo gesta-se o autoritarismo. O país, que sempre foi conservador, agora é tomado por uma onda fascista que inundou rapidamente as mentalidades. Há uma cegueira em massa.
A crise econômica criou a expectativa de intervenções messiânicas no Estado, ao lado, paradoxalmente, da repulsa com relação às iniciativas de inclusão. Os pobres, imoralmente, foram condenados como responsáveis por uma crise mundial do capitalismo.
As denúncias de corrupção causaram repulsa ao jogo democrático e à própria ação política. A política passou a ser tida como negativa.
O país está mergulhando em retrocessos econômicos, políticos e sociais. Tudo fomentado por uma pauta neoliberal que, atendendo aos interesses dos grandes conglomerados transnacionais, fazem no Brasil uma espécie de laboratório em escala planetária. Ações que nas sociedades mais liberais não seriam realizadas aqui encontraram chão. O sequestro do pré-sal é o símbolo e a moeda maior nessa negociação. A política anda a reboque da economia. Serve a ela.
As salas de aula são alvo permanente de controle e censura. A atuação docente e o dever civilizatório de formação para a cidadania foram capturados por uma narrativa que polariza família e escola e, pior, criminaliza a consciência crítica e o papel do professor.
Se os números das pesquisas recentes se configurarem acertados, qualquer que seja o cenário dos próximos quatro anos é trágico e dramático ao mesmo tempo. Se vence a extrema direita, haverá retrocessos institucionalizados que nem uma geração toda dará conta de reverte-los. Se for a esquerda, amargaremos mais um bom tempo de plena desestabilização política.
O que está em jogo não é apenas - antes fosse - um projeto de poder ou programa de governo - mas a própria democracia. E, infelizmente, o próprio futuro.
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(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com
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