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Sobre a fé


A fé um salto no escuro. Acho que foi o Kierkegaard quem disse algo a respeito. Uma espécie de mescla entre confiança e carência. Esperança e desespero.

Quem se lança sobre o abismo não o faz necessariamente por irresponsabilidade. Mas por profunda necessidade. Talvez - quase sempre - por ser a última opção.

A confiança nasce da carestia. Só quem não sabe se haverá o alimento do dia é seguinte é que aprende a dormir na esperança da providência.

Acreditar que as coisas vão dar certo, confiar num bom final ou esperar por algum tipo de benefício não são expressões exatamente de fé. Talvez de pensamento positivo. Ou mesmo de simples otimismo. Não que não sejam necessários e pertinentes. Mas diferem de fé.

A Bíblia diz que fé é a firme convicção daquilo que não se vê, daquilo que se espera. É o encontro de convicção com a expectativa.

A pergunta que me faço sempre é: tenho fé porque confio? Ou confio porque tenho fé? Em outras palavras: a fé é causa ou consequência da vida?

O questionamento tem a ver com o fato de que as experiências resultantes dos atos de fé nem sempre são soluções. Às vezes, são novas perguntas e novas respostas. Novas formas de olhar e de compreender a realidade. São novos desafios. Novos abismos.

Nesse sentido, a fé não é um meio. Mas um fim nela mesma. E talvez seja por isso que a mesma Bíblia diz que a fé não vem de nós, mas é um presente de Deus.

Ou, também por isso, a Escritura nos assegure que somos salvos pela fé.

Com isso, muda até mesmo o sentido que se dá a essa ideia tão controvertida de salvação. Não somos salvos disso ou daquilo. Como se fossem prisões das quais devemos nos libertar. Mas, algo ainda mais radical: um eu que precisa ser reconstruído e reinventado permanentemente.

A salvação é a própria fé. E sem essa fé é impossível agradar a Deus. Porque a fé é inerente a todo abismo. E talvez seja o abismo, ele próprio, a própria morada de Deus.

Isso muda tudo.

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(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com

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