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Quem pariu que o embale


Há causas muito diversificadas para este nosso cenário. Fenômenos de ordem cultural, inclusive. O caos é próprio de momentos em que esquemas antigos se exauriram e parâmetros novos ainda não se estabeleceram. Mas a responsabilidade imediata de toda essa situação está em 2014, quando o candidato perdedor pediu recontagem de votos e, a partir de então, começou uma saga de perseguição a presidente. O PSDB arruinou com a República para tentar aniquilar com o PT. Mas o resultado de sua sanha foi diferente do que planejara. Fez o Estado desmoronar, empreendeu um impeachment, jogou o país nas mãos do Temer e sua quadrilha, prendeu o Lula e, ao fim e ao cabo, acabou por matar a si mesmo. O tiro saiu pela culatra. Ao lado do PSDB (e dos partidos do centrão que se valeram da bacia das almas do impeachment) estão setores estruturantes da imprensa nacional. Uma mídia que age política e ideologicamente à luz do dia. Que sempre relativizou a democracia e que agora não sabe o que fazer com as possibilidades que se avizinham. Nessa eleição, o que temos é um PT (apesar de todas as suas falhas) de pé e um PSDB e seus satélites na lama. Resultado: pista pavimentada para os discursos anti-sistema que Bolsonaro encarna. É surpreendente que o PT (debaixo de tantos tiros e tanta propaganda contra, e mergulhado em escândalos profundos de corrupção) ainda se reerga com uma militância tão aguerrida e reencantada com o jogo político. Isso é mais do que estratégia partidária e eleitoral. É sinal de que há na base da sociedade um reconhecimento tácito de que é por meio da política que é possível reorganizar a sociedade. Há equívocos sérios que parecem não ter sido analisados nem considerados, porém. Se é verdade que há uma massa de fascistas entre os eleitores do Bolsonaro (fenômeno que merece atenção porque não nasce na política institucional, mas na própria sociedade), é fato que há uma legião de votos que estão indignados com o sistema e/ou foram contaminados pelo discurso do antipetismo. Bolsonaro é a bola da vez. Compreendeu o momento, percebeu a lacuna aberta, calibrou o discurso, afastou-se dos enfrentamentos diretos com os demais candidatos e criou uma forma própria de fazer campanha. É o único que usa em larga escala as junk news como tática eleitoral. Seus eleitores estão em grupos de WhatsApp há meses (anos até) recebendo e compartilhando uma chuva de informações absurdas - verdadeiras ou falsas não importa muito. São o caldo de sentimentos que inconscientemente formam as mentalidades hoje. A guerra nesse momento não é racional. É, por mais incontrolável que isso pareça, psicológica. Só um exemplo: as políticas de inclusão social foram atacadas como responsáveis pela crise econômica atual. “Os pobres são os culpados”. A imoralidade desse discurso é o que norteia o momento. E isso não se sustenta à análise dos fatos, mas a um sentimento disseminado de competição e perda de oportunidades. Essa lógica criou entre os da classe média o sentimento de ojeriza aos mais pobres. Nessa confusão toda, não se deve esquecer do PMDB. Aparentemente morto, o partido, que está na base de toda essa jogatina há décadas (contrariando sua história de oposição aos governos militares), seguramente estará no próximo governo. E isso é um péssimo e um ótimo indício, ao mesmo tempo. Péssimo, porque, se fosse um governo minimamente progressista, os caciques do velho coronelismo seguiriam retraindo o avanço democrático. Ótimo porque, num governo reacionário, o PMDB talvez sirva de uma força ao centro que equilibre o cenário. Talvez. O PSDB precisa ser responsabilizado por sua insanidade política. Nessas eleições, seguramente foi. Afinal, como diz o adágio popular, “quem pariu Mateus que o embale”. No fundo, essa polarização toda é falsa na sua origem. Não são dois lados. Não são dois extremos. É o discurso democrático, racional e progressista contra o descontentamento com o sistema (sem opções de mudança concreta), irracional e reacionário.

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Os números da eleição de 2018 ajudam a compreender o cenário.

Nulos foram 8,6 milhões (7,4%); brancos somaram 2,4 milhões (2,1%); e abstenções foram 31,3 milhões (21,3%). Ou seja, 42,1 milhões de eleitores que não escolheram nem um nem outro candidato, cerca de um terço do total do eleitorado habilitado. Bolsonaro recebeu 57,7 milhões de votos e Haddad teve 47 milhões de votos.

Nas eleições de 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018, o número de abstenções variou de 19% a 21,5% apenas. Nada diferente ocorreu em 2018.

Os votos brancos sempre estiveram entre 1,3% e 2,3%. Nada novo em 2018.

Os votos nulos (nas eleições de 2002 a 2014) variaram entre 4,1% e 4,7%; apenas em 2018 é que saltaram de 4,63% (em 2014) para 7,44% (em 2018); ou seja, cresceram em 60%. Esse, sim, é um número a se considerar: considerando um universo de 147 milhões de eleitores, quase 3 pontos percentuais (mais de 4 milhões de eleitores) que votavam em alguém em eleições anteriores fizeram a opção de votar nulo em 2018.

Além disso, é preciso observar o vencedor na última eleição teve 55% dos votos. Coisa parecida ocorreu com FHC em 1994 e em 1998 (54% e 53%, no 1º turno) e com Dilma em 2010 e em 2014 (56% e 51,6%). Exceção (com variação para cima) ocorreu com Lula em 2002 e 2006 (com 61,3% e 60,8%). Em outras palavras, nada significativamente superior ou inferior.

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