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Palavras e Relações


As relações humanas são pautadas basicamente nas palavras. No que se diz e no que se ouve. No como se diz e no como se ouve. É semelhante a um jogo de dizeres e de ideias; de humores e afetos.

No fundo, as relações são experiências de oportunidade. Sim, experiências que têm a ver com a forma como tratamos as oportunidades que nos vêm.

Oportunidade é uma palavra linda. "Ob-portus". Tem a ver com os ventos que levam a embarcação na direção do porto. Por isso, há sopros oportunos e inoportunos.

Oportunidade é uma mescla misteriosa de acaso e esforço; sorte e empenho. Conjuga a graciosidade dos eventos que nos advêm e o trabalho de quem quer agarrar as chances que a vida dá.

Há encontros em que é isso que ocorre: oportunidade. Uma troca de olhares que combina a aleatoriedade de um encontro e a designação de uma vida. Graça e destino.

Mas há muito além do encontro. Há uma aposta sempre arriscada a ser experimentada.

Os dias que se seguem ao encontro, impassíveis, são como o movimento de quem ajusta as velas para aproveitar o máximo do vento. Sem motor, o barco precisa contar apenas com a força dos ventos e a habilidade do capitão.

As páginas vão sendo viradas e os morangos saboreados. Mas sempre esteve ali - escuro e silencioso - um abismo profundo e cheio de temores. (A vida é uma combinação desequilibrada de vontade e medo. Intrepidez e zelo).

A questão é que as velas precisam ser flexíveis para se ajustar, mas têm de ser firmes para suportar a força. Às vezes, no entanto, é preciso calibrar de tal forma o ângulo do pano para que a força do vento não o rasgue. É força que se perde para não se perder no oceano sem rumo. Há momentos que recuar é necessário se se deseja avançar.

As palavras são difíceis por isso: carecem de ajustes o tempo todo. Há relações que - como pautadas que são nas palavras - naufragam porque o discurso é incompreensível. E o é porque entre o que se diz é o que se ouve, há muito mais no "não dito", no antes, no durante e no depois. Há palavras que só são compreendidas quando não são ditas.

"Palavras são como o vento", já dizia a Cecília. Passam, mas não sem antes mover o que tem pela frente.

É duro saber que - apesar da habilidade dos capitães - o vento das palavras é às vezes mais impetuoso que a força das velas é capaz de resistir. A tênue fronteira entre o movimento e o rompimento é atravessada. E rasgar não é um verbo fácil de ser conjugado.

E aí, paciência: o barco perde força e ficará dias ao sabor das ondas. Agora, outra habilidade será requerida: remar. Remar talvez contra a correnteza.

Assim são as relações, os encontros e os amores que zarpam antes mesmo de ancorarem.

O desafio que todos os dias se nos coloca é tocar o barco adiante, a despeito da impetuosidade dos ventos. Será possível? Nem sempre.

Lembro-me do poema Invictus de William E. Henley, que inspirou Nelson Mandela na cadeia e o ajudou a levar o barco até um porto seguro, ainda que com ventos contrários. Cito aqui sua última estrofe (vale a pena procurar e lê-lo todo):

“Por ser estreita a senda – eu não declino,

Nem por pesada a mão que o mundo espalma;

Eu sou dono e senhor de meu destino;

Eu sou o comandante de minha alma.”

__________

(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com

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