Você sabia que o Dia 13 de abril é Dia do Hino Nacional? Pois é. O Hino é um dos símbolos da República.
A música foi composta em 1831, mas só na época da República é que se abriu um concurso para oficializar a letra do Hino. Quem ganhou foi Leopoldo Miguez, mas havia uma recusa de segmentos da população em cantar a letra vencedora – "Liberdade, liberdade! Abre as asas sobre nós!"
Com essa confusão, o escritor Joaquim Osório Duque Estrada, integrante da Academia Brasileira de Letras, compôs a letra que conhecemos hoje. Nosso hino foi comprado, então, (isso mesmo: comprado!) por cinco contos de réis pelo então presidente Epitácio Pessoa. E se tornou oficial em 1922, no centenário da Independência.
A primeira observação com relação ao hino nacional é que suas palavras são muito diferentes das que usamos no dia-a-dia. Isso é verdade para hoje, mas era verdade também na época em que foi composto. Nosso hino tem palavras e expressões que o povo brasileiro desconhece.
Plácidas, brado retumbante, fúlgidos, vívido, impávido colosso, fulguras, florão, garrida, lábaro, flâmula, clava forte.
Há quem afirme que o hino, com letra influenciada pelo parnasianismo, é mais para impressionar do que para comunicar. Se assim o é, missão cumprida; com esse vocabulário, impressiona mesmo!
Mais sério, entretanto, é a forma como essa letra enxerga nossa história.
Por exemplo, sobre a independência do país: “Ouviram do Ipiranga ... de um povo heroico o brado retumbante.”
Esse trecho dá a ideia de que nossa independência se deu por força do povo. Infelizmente, isso não é verdade: o grito de independência foi dado pelo filho do rei, que ficou no lugar do pai.
“E o sol da liberdade ... brilhou no céu da pátria nesse instante.”
A emancipação que ocorreu no Brasil serviu apenas aos “grandes” que se viram livres das amarras econômicas e políticas de Portugal. Aliás, o país pegou até empréstimo para indenizar Portugal pela independência. Não houve de fato liberdade para a população brasileira.
Outro trecho que merece destaque, sobre igualdade: “Se o penhor desta igualdade conseguimos conquistar com braço forte,”
A desigualdade no Brasil é profunda. Se hoje ela é tão presente, imagine no início do século XX, quando negros, indígenas, mulheres e analfabetos foram deixados à margem da primeira carta constituinte republicana. O hino faz crer no que não ocorreu jamais por aqui.
E sobre a justiça: “Mas, se ergues da justiça a clava forte”
O Brasil já teve oito Constituintes e só foi conhecer a democracia – precariamente - na última, de 1988. Nossas leis não são aplicadas da mesma forma para todos as pessoas. São leis que geram interpretações dúbias, e que são criticadas por sua ineficiência, por sua morosidade e pela falta de imparcialidade.
Tudo isso, porém, poderia ser lido sob a ótica da utopia. Não se trata de uma memória do que ocorreu (porque não ocorreu assim), mas esperança do que se deseja para o país. Tomara seja isso mesmo. Tomara o hino consiga produzir um fôlego de mobilização para uma real transformação da sociedade.
Como ocorre com qualquer hino nacional pelo mundo, é nítida a intenção de engrandecer a pátria, mostrar sua força social, sua beleza natural e sua união patriótica. Todo hino é carregado de ideologia.
Infelizmente, não é isso que temos por aqui. O povo sempre foi muito desmobilizado. A natureza sempre foi explorada indiscriminadamente e há uma profunda falta de unidade em termos de cidadania. Há um abismo cada vez maior entre ricos e pobres, por exemplo.
Por isso, talvez, o hino tenha se tornado popular apenas nos jogos de futebol, por exemplo. É porque antes dos jogos nossa preocupação não é exatamente interpretar textos difíceis, tampouco problematizar nossa história tão controvertida.
E aí a gente entende melhor até aquele fatídico 7 x 1.
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(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com
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