O carnaval é uma festa de origens muito remotas: desde a Roma Antiga, passando pelas muitas influências europeias, até chegar ao Brasil e suas muitas e distintas expressões (Rio, Salvador, Recife etc).
Basicamente, no Brasil, o carnaval simbolizava espontaneidade e resistência. No que diz respeito à cultura negra – e o samba em particular – o carnaval brasileiro foi uma poderosa manifestação espontânea de relativização do poder e da força.
A fantasia de carnaval e a irreverência da folia representam, talvez, a mais genuína expressão de crítica social no Brasil.
Mas, como tudo, há instrumentalização o tempo todo no carnaval: seja para ludibriar e torná-lo como ópio que aliena; seja para fazê-lo palanque – desde as reivindicações genuínas do povo até as mais escancaradas campanhas eleitorais.
Obviamente que isso precisa ser visto sem a patrulha ideológica. Há crítica e palanque, sim, na história do carnaval. Mas há, também, apenas galhofa, brincadeira e desinteresse. Na base, o carnaval é folia.
Hoje, entretanto, o cenário é mais complexo. Não se trata necessariamente de morte da folia, mas de uma profunda reformatação de sua experiência.
Primeiro, no que diz respeito a tal Ordem Pública. Se no passado, era a polícia que perseguia os foliões, hoje a folia está encaixotada numa série de regras e procedimentos que parecem limitar em muito o vigor da festa. Há hora marcada, local determinado, regras, quesitos, notas e um sem número de obrigatoriedades. O carnaval deixou de ser uma folia de espontaneidade para ser um campeonato de habilidades.
Segundo, no que tange ao Mercado, o carnaval virou negócio. Desde o comércio até o turismo, o carnaval tornou-se um mercado milionário. E isso tem tornado os espaços de folia cada vez menos democráticos e cada vez mais excludentes e elitistas. Custa caro pular o carnaval.
Por fim, no que tange ao universo religioso, o carnaval tem se visto em cheque diante de expressões de fé neopentecostal, por exemplo. É uma espécie de disputa de mercado. São grupos religiosos que têm muita influência sobre as camadas mais populares e que rivalizam com os blocos de embalo e as escolas de samba o universo de bens simbólicos. Há, inclusive, uma demonização do carnaval. Anos atrás, uma matéria jornalística, mostrava como as alas de baianas em escolas de samba perdiam senhoras para as igrejas.
Essas questões todas revelam a força do carnaval. Não fosse sua potência não haveria tanto assédio. E talvez seja essa sua saída também: reinventar-se onde os turistas não chegaram ainda, onde os comércios e as igrejas são menos agressivos.
Se procurar bem, há carnaval onde a tv não chega para suas entrevistas iguais de todos os anos. E seguramente é aí que a folia está se reconstruindo.
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