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A quem interessa a greve dos caminhoneiros?


Definitivamente, o Brasil não é um país de amadores. Pelo menos, não na política. Um governo odiado é capaz de se lançar contra si mesmo para se salvar. O mesmo ocorre nos negócios. Há empresas e empresários capazes de cortar na própria carne para depois lucrarem em dobro.

A pauta de reinvindicação para diminuição de impostos, além de legítima, é necessária. O Brasil tem uma carga tributária alta e injusta. Tributa mais os que têm menos. E devolve menos ainda para esses mesmos. Por isso, qualquer reflexão que relativize mobilizações para redução de impostos é difícil.

Mas, por isso mesmo também, é que essas pautas são as preferidas quando se quer convencer multidões a acreditar em determinado discurso. Há muita cortina de fumaça nessa história.

Nossas elites políticas foram forjadas na lógica da exploração, desde os tempos da Colônia; não houve o desenvolvimento de setores políticos importantes que passassem pela experiência de uma independência verdadeira. Está no DNA político brasileiro a entrega das riquezas nacionais e a vantagem corporativista. Ideias nacionalistas - apesar de todos os seus limites - nunca tiveram espaço de comando por aqui.

Além disso, não há nesse país adesão à greves e manifestações com tanta celeridade e engajamento. Por aqui, por exemplo, não se pode manifestar no dia útil porque atrapalha todo mundo; e no feriado também não porque estraga a festa da corte. Consciência de classe não é o nosso forte (basta lembrar do pato). Os poucos que têm são sempre criticados como desordeiros. Até caminhoneiros já foram assim classificados em outros momentos.

Esses três fatores reforçam a desconfiança sobre essa mobilização de transportadores no país.

Partindo da realidade de que:

- o setor de transportes está nas mãos de algumas poucas e grandes corporações (já que os autônomos, apesar de em número expressivo, são reféns do setor financeiro e seus leasings);

- que o desabastecimento de combustível (também muito concentrado em poucas mãos) ocorreu em tempo recorde;

- que a adesão foi quase que automática;

- que a grande mídia e setores patronais estão aplaudindo o movimento; e

- que o governo não tem muito o que perder eleitoralmente,

há que se perguntar:

1. se a luta é mesmo por mesmo por menos impostos ou se é saudade do tempo de lucros expressivos em que havia regulação estatal dos preços do petróleo (coisa aliás que esses mesmos atores do andar de cima tanto criticavam);

2. se o problema do alto preço de combustíveis tem a ver exclusivamente com impostos ou se é devido a tal “política da empresa” que prefere importar mais e refinar menos, por exemplo;

3. se não é mais um capítulo dos sucessivos esforços de desmonte da maior empresa pública brasileira (que, desde a eclosão da Lava Jato, tem sido achincalhada); e

4. se não é antessala para alguma manobra política e eleitoral com vistas a anulação (ou subterfúgio parecido) para emplacar um governo conveniente ao establishment (que, convenhamos, parece ainda estar perdido para as próximas eleições).

Sinceramente, acho que é tudo isso junto e misturado: reclame por mais lucros, entrega do patrimônio nacional e, de quebra, uma segunda temporada no golpe que foi plantado desde as manifestações de 2013 (coincidentemente deflagrada por causa de questões do setor de transportes).

Por tudo isso, há que se preocupar com esse caos cuidadosamente esculpido. Essa turma não joga para perder.

__________

(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com

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