“Pra que nossa esperança seja mais que a vingança
Seja sempre um caminho que se deixa de herança
No novo tempo, apesar dos castigos
De toda fadiga, de toda injustiça, estamos na briga
Pra nos socorrer ...” (Ivan Lins)
Fim de ano é época de renovação de esperanças. O simbolismo das festas de Natal e a magia da mudança de um dígito no calendário de anos promovem sentimentos de recomeço e transformação. E isso é bom: a vida humana é alimentada por símbolos e ritos; a sensação de recomeçar ajuda a recobrar forças.
Mas há riscos implícitos nessa fé mágica que o ambiente de fim de ano cultiva. Riscos de se acomodar na falsa expectativa de que as mudanças serão automáticas e de se iludir com as novidades que se apresentam como se fossem salvação.
Toda mudança supõe esforço. E todo esforço supõe vontade ou necessidade. Apenas como fruto da necessidade, a mudança ocorre tão somente até que se tenha nova situação. Mas quando o esforço é fruto da vontade, a chance de ocorrer transformação mais profunda é muito aumentada. E só há vontade quando há, antes dela, consciência da necessidade de mudança.
E é exatamente nesse ponto que se aloja a força das datas simbólicas de fim de ano. Primeiro porque têm a potência dos ritos de passagem; depois porque ajudam na inspiração da ideia de que a transformação é necessária. O fim de ano pode – não necessariamente é – um tempo que inspira e anima à mudança.
O próximo ano certamente não será um tempo fácil. Há uma crise econômica séria no país e no mundo, agravada pelos desmandos de um governo inconsequente – especialmente com a população mais fragilizada socioeconomicamente. Além disso, há um clima ruim nas relações; as pessoas estão, além de polarizadas, fechadas em suas convicções e sem a sensibilidade para o diálogo e para a tolerância.
O ano que chegará demandará de nós uma postura diferente em relação a vida e a história se quisermos efetivamente que seja um ano novo. A sua novidade precisa ser mais que um algarismo diferente no número. Exige uma forma nova de olhar para a realidade e um modo novo de agir.
A novidade do olhar passa, necessariamente, pelo esforço de mais empatia – essa característica de quem sabe se colocar no lugar do outro e se esforça por tentar sentir como se fosse o outro. Uma atitude que ajuda a evitar os excessos que machucam e violam.
Por outro lado, é importante não se colocar no lugar do outro como fazem os invejosos e ressentidos. É indispensável cultivar autoestima, amor próprio e boa dose de autoconfiança. É claro que tudo isso sem cair no narcisismo.
A novidade da ação exige uma compreensão diferente da realidade – repetir métodos já batidos não nos levará a destinos diferentes, mas ousar a ruptura sem a devida consciência dos passos a serem dados pode ser irresponsabilidade.
Não há fórmulas mágicas para um ano novo. Na verdade, essa mudança, apesar de seu rico e explorado simbolismo, não acontece se de fato não houver mudança por dentro. Uma transformação pessoal que redirecione nosso entendimento das coisas.
Reorientação pessoal que passa pela redescoberta de si mesmo e do outro; pela renovação da percepção sobre a natureza e a sociedade.
Um novo tempo requer uma política cuja opção preferencial seja pelo serviço aos que permanentemente são excluídos. Não dá mais para ricos governarem para ricos. O ano novo – para ser realmente novo – exige uma política de serviço e emancipação.
Esse novo tempo também requer uma economia focada nas pessoas em detrimento dos lucros e das coisas. Já passou da hora de se reorientar as políticas econômicas na direção do ser humano. Não haverá qualquer mudança razoável se o eixo norteador não for marcado pelo ser humano e por suas reais necessidades.
Para celebrar um tempo de novidades é urgente restabelecer um mínimo de amor pela convivência, pela fraternidade e pelo respeito. Talvez uma espiritualidade nova mesmo: algo que, partindo de um autoconhecimento verdadeiro, nos lance na direção do outro e nos mobilize na construção de uma sociedade de paz.
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