“A diferença entre o carvão e o diamante
é a pressão a que são submetidos.”
A democracia brasileira, além de imatura, passa por uma crise séria. Há em curso no país sistemática e acelerada subtração de direitos. E qualquer voz dissonante tem sido negligenciada e perseguida.
Por isso, em vez de virar as costas para a democracia como valor (como infelizmente parece estar acontecendo, com a criminalização da política, por exemplo), é hora de radicalizar nos mecanismos para que a experiência democrática seja mais condizente com as necessidades reais da população. Radicalizar ainda mais na concepção de que política não é um fim em si mesma; aprofundar a lógica de que política é meio, é ferramenta para organizar a vida social e garantir espaço e dignidade para todos indistintamente.
Nesse sentido, o ambiente político deve contar com representações mais diretas da sociedade civil; espaços em que os diretamente envolvidos e interessados nas questões tenham voz e oportunidade de decisão. É nesse contexto que se inscrevem os “conselhos”.
Os conselhos têm muitas funções: deliberar, normatizar, fiscalizar, controlar, assessorar, mobilizar e mediar. Tem por objetivo estimular e propor a formulação de políticas públicas nas mais diversas áreas.
Em outras palavras: as demandas da população devem ser atendidas pelo Poder Executivo, sim (na medida em que foi eleito para o exercício da gestão); mas essas mesmas demandas são catalisadas pelos órgãos colegiados – pelos conselhos – para que haja relativização do poder executivo, ou seja, para que haja garantia de que o arbítrio do gestor seja permanentemente checado junto às bases da sociedade.
Um governo se equivoca quando não reconhece o lugar e a missão dos conselhos. Por isso, é urgente a atenção de toda a sociedade quando os governos sequestram esses espaços públicos.
É na direção de inibir essa postura autoritária dos governos que a legislação prescreve que os conselhos devam ser organizados de maneira democrática, participativa e com caráter de entidade pública. E – mais importante – deve ter assegurada sua autonomia em relação ao Poder Executivo.
Um conselho independente, porém, não significa oposição irrestrita. O espaço dos conselhos, embora político, é distinto da arena de disputa eleitoral. Ao redor da mesa estão entidades e grupos diversos (governo, sociedade civil, sindicatos, entidades, profissionais e outros conselhos), mas sua atuação deve ser qualitativamente distinta daquela operada em seus espaços próprios de origem.
Conselhos existem para ser voz organizada a mostrar aos gestores as necessidades e os sonhos da sociedade. Uma confusão tem que ser eliminada: conselhos não são governo.
Por exemplo, o governo tem por função administrar; os sindicatos, lutar pela garantia e ampliação dos direitos dos trabalhadores. Por isso, há espaços de negociação entre governos e sindicatos. E, não raro, disputas, manifestações e greves. No conselho, porém, apesar de estarem as representações de governo e de sindicato, o fórum é dedicado a formulação das políticas públicas.
Ou seja, governo precisa agir mais como conselho e menos como governo; sindicato precisa agir mais como conselho e menos como sindicato.
Em outras palavras: o lugar a partir do qual governo e sindicato falam são naturalmente distintos – e é razoável que haja enfrentamentos – mas essa pluralidade, no espaço do conselho, deve garantir mais a qualidade do serviço público e menos a tensão imobilizadora da disputa política.
Um governo realmente democrático preza pela existência dos conselhos. Um governo competente consegue acolher as propostas dos conselhos e sabe reconhecer o valor do seu trabalho, o valor de servir à coletividade. Um conselho sério é aquele que conhece seu espaço; que age como órgão de propostas e de articulação.
Um conselho eficiente respeita o governo e com ele colabora, mas não se furta de cobrar, fiscalizar, questionar e, acima de tudo, pressionar.
A palavra de ordem nesse contexto todo é “autonomia”.