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Ocupação: brasileiro


As palavras dizem muito mais do que o costume de seu uso pode supor.

“Brasileiro”, por exemplo, é um caso interessante. O sufixo “eiro” não é a forma usual para gentílicos – que indicam a procedência ou a naturalidade de alguém. A forma ‘correta’ seria “brasiliano”, “brasilense” ou mesmo “brasilês”.

A questão é que a palavra, ao nascer, designava uma ocupação (uma “profissão”) e não uma origem. “Brasileiro” é o português que ganha a vida trabalhando no negócio “Brasil”.

Nas palavras de Silveira Bueno: “No tempo colonial, ‘brasileiro’ era adjetivo que indicava profissão: tirador de pau-brasil. Como tal, sendo esses homens criminosos, banidos para o nosso país por Portugal, o adjetivo tinha significado pejorativo e por isto ninguém queria chamar-se ‘brasileiro’.”

Na origem, a verdade é que ninguém - por opção - se identificava como brasileiro; era, ao contrário, uma sina. Por isso, o desejo do brasileiro era sempre voltar para a “terrinha” depois de ter ganhado a vida na selva de “além-mar”. A relação dos primeiros brasileiros com essa terra tropical foi marcada fundamentalmente pela exploração, pela extração, pela expropriação.

No Brasil, forjou-se a lógica de que o Estado é o inimigo. O ideal é “vencê-lo” é isso se faz dilapidando-o às vísceras.

É essa, por exemplo, a porta permanentemente aberta para as práticas de corrupção. O “jeitinho” brasileiro de lidar com a coisa pública passa necessariamente pela ideia de “se levar alguma vantagem”. (Tiradentes – ‘herói’ reconstruído na República – foi, grosso modo, um sonegador de impostos.)

Talvez seja por isso, também, a lógica de privatização do espaço público. O público é “meu” (diferente de “nosso”). Equivocadamente, enxerga-se essa dimensão pública como local da ausência de normas, do vale tudo, da impunidade; “terra de ninguém”, espaço do “salve-se quem puder”. Dimensão do “sabe com quem você está falando?”

E é essa concepção, justamente, que leva a um profundo apartheid social: o abandono dos espaços e políticas públicos por parte dos mais ricos e o sucateamento dos mesmos para os mais pobres. Por aqui, público é sinônimo de “ruim”.

Salvo, é claro, no caso das isenções e dos financiamentos a juros subsidiados que mantêm nosso setor produtivo sem a competitividade que o capitalismo dinamiza em outros cantos. Até a livre concorrência por aqui é feita sob as bênçãos (e prejuízo) do Estado. (Exceção, por óbvio, se vê quando o subsídio é para os mais pobres - aí vale a lógica cruel de uma falsa ‘meritocracia’).

Não sei bem qual é o caminho de superação desse ranço cultural depredador, mas seguramente passa por uma educação reformuladora dessas bases. Uma educação pensada sob a perspectiva da ética, da solidariedade e da sustentabilidade.

Não se pode, porém, cair no engodo dos discursos “patriotistas”. Consciência política e cidadania são diferentes do sentimento feudal de pertencimento que discursos nacionalistas - de recorte militarista, por vezes - incentivam. São ideologias que alimentam fronteiras.

O desafio é, sim, superar as fronteiras; todos os tipos de fronteiras - pessoais, nacionais e civilizatórias. Mas, ao mesmo tempo, incentivar os limites que a cidadania e a garantia de direitos impõem para serem estabelecidos entre o público e o privado. Só há “sucesso” pessoal se a coletividade toda tiver o mínimo de dignidade.

Fora isso – porque até Deus foi privatizado (no discurso de que “Deus é brasileiro”) –alimentaremos a lógica perversa do “cada um por si e Deus por todos”.

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