Dia desses fui questionado sobre o processo de encerramento das atividades da Santa Doroteia.
Confira:
Sobre pessoas e instituições
a propósito do fechamento da FFSD
Como se sabe, a Congregação de Santa Dorotéia, mantenedora da Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia (FFSD), em Nova Friburgo, decidiu pelo encerramento das atividades da Faculdade, tendo em vista a inexistência de quadros entre as religiosas para continuidade de sua gestão, bem como pelas inúmeras dificuldades financeiras por que passa a maioria das instituições privadas de ensino superior.
Como alternativa, tem-se buscado outras entidades mantenedoras afinadas ideologicamente com a Congregação para que assuma e deem continuidade ao trabalho. Até aqui, a busca tem resultado nula. Espero em Deus que esteja errado!
A FFSD existe há 54 anos e, ao longo desse período, tem sido a principal responsável pela formação de professores na região. Mais recentemente, sido responsável, também, pela formação dos profissionais de informática e secretariado executivo bilíngue.
As avaliações do MEC revelam que a FFSD está entre as melhores escolas de ensino superior do Estado. No site da Faculdade, há um link para um vídeo de divulgação desses resultados; nele, depois de apresentados os excelentes resultados e um comparativo para com as demais instituições de renome no Estado (o que nos orgulha a todos, professores e alunos), há a curiosa chamada final:
E é por tudo isso que você não precisa buscar uma grande Universidade no Rio para estudar! (transcrição de http://www.youtube.com/user/FFSDNF)
Como instituição confessional, na base do trabalho da FFSD está a consciência de que o Evangelho é mais que religião; está a certeza de que os caminhos libertadores de Deus no mundo passam pela Educação.
Como se encontra na página da Faculdade na internet,
a FFSD é uma Instituição Particular de Ensino Superior que trabalha conscientemente para construir a sociedade como um espaço vital que possibilite a vivência fraterna, o exercício da cidadania, do diálogo, da busca da verdade, da partilha de bens, da participação nas decisões político-econômico-sociais, da luta contínua de resgate dos verdadeiros valores e Princípios Evangélicos. A FFSD quer uma sociedade justa, democrática, comprometida com o bem comum, onde a pessoa humana é valorizada na sua diversidade, na sua condição de sujeito, agente da própria história e da história da humanidade. Uma sociedade que priorize a educação como força transformadora do processo histórico, no qual o homem está inserido; uma educação conforme os ideais de Santa Paula Frassinetti, regida pela via do coração e do amor, que inspire atitudes de suavidade e firmeza, espírito de família, solidariedade, cooperação e acolhimento ao outro. (www.ffsd.br)
Sempre nutri profunda admiração pela Faculdade. Pela seriedade do trabalho, pela abertura para o pensamento livre, por ser um espaço privilegiado de reflexão e debate e, acima de tudo, por sua postura acolhedora e respeitosa. Além disso tudo, por ser a FFSD quase que o único espaço sério de reflexão sobre os temas mais urgentes do nosso tempo.
Respeito e compreendo a decisão da Congregação. Sei que há momentos em que o recuo é a decisão mais acertada. O senso de responsabilidade exige, por vezes, retroceder.
Mas não posso deixar de expressar alguns comentários e inquietações, especialmente no que diz respeito à questão ideológica.
Uma instituição confessional é portadora de uma Missão que não lhe pertence. A Missão das entidades religiosas cristãs é ser porta-voz da verdade do Evangelho de Jesus. O ideal de educação da FFSD identifica-se com a educação evangélico-libertadora e retoma, hoje, com novo vigor, nas palavras do XVIII Conselho Geral da Congregação de Santa Dorotéia,
a opção pela justiça, com criatividade e audácia evangélicas para ser presença nas novas pobrezas e vazios vitais, com particular incidência no mundo dos jovens e da mulher.
Intuo, todavia, que as instituições são espaços vazios, na verdade. Vasos ocos sobre cujas superfícies estão colados rótulos variados. Todo o discurso evangélico é, me parece, apenas um elemento identificatório. Não são as instituições que levam adiante a Missão que os discursos anunciam. São pessoas que o fazem. São homens e mulheres, individualmente identificados, que tomam para si a missão de fazer a Missão avançar. Para além das entidades (pessoa jurídica) é gente concreta (pessoa física) que torna real o ideal dos discursos.
No caso da FFSD, isso está se mostrando bastante claro. Foram pessoas que sempre levaram à frente a Missão. A começar pelas freiras fundadoras passando por cada irmã que deu continuidade ao trabalho, por cada professor(a) em sala de aula e por cada colaborador(a) em seu setor de trabalho.
As instituições são grandes e necessárias, mas nos fazem crer que são maiores do que verdadeiramente são e mais necessárias do que realmente precisam ser. Arvoram para si serem firmes como rocha e, de fato, precisamos todos construir nossas moradas sobre terrenos firmes que nos deem segurança realmente. Triste é quando erguemos a casa sobre a rocha e a rocha aparentemente tão densa se dissipa sob nossos pés.
Lembro-me da estória de Ló e sua mulher, fugindo de Gomorra, quando está dito que Deus os advertiu a não olharem para trás. A mulher de Ló desobedeceu e olhou para trás. Transformou-se numa estátua, numa pedra de sal. O vento e a chuva levaram o sal e a estátua desapareceu. Essa é a tragédia das pedras: pensam ser eternas. Não sabem que são sal e que o tempo sempre faz o seu trabalho. A areia da praia um dia foi pedra...
Quando as pessoas faltam, as instituições caducam e morrem.
O que falta, hoje, à FFSD é a presença de gente séria (a exemplo das irmãs que a conduziram bravamente até aqui) que consiga enxergar a importância dessa instituição e não a deixem fenecer.
Num tempo em que Friburgo e região se preocupam tanto com reconstrução depois de uma catástrofe que nos assolou a todos e quando há tantas pessoas sérias preocupadas com o bem estar coletivo, já passou da hora de essas mesmas vozes se ocuparem com a Faculdade. Deixá-la encerrar suas atividades é o mesmo que aplaudir uma barreira que soterra e mata inocentes, porque toda vez que um professor é calado, a cidadania está sob risco e a sociedade seguramente entrará em colapso.
Sobre ideologia e ignorância
Escrevo esse texto na forma de uma carta, um desabafo. Preciso escrever para organizar minhas idéias e meus sentimentos e, com isso, procurar não ser injusto e, apenas, reativo.
Trabalho na FFSD e, dias atrás, o corpo de professores foi informado sobre a venda da referida faculdade para a Universidade Católica de Petrópolis. A negociação apresenta uma série de dúvidas e receios para professores, alunos e funcionários, razão pela qual, na reunião em que fomos comunicados a respeito disso pela direção, me adiantei em sugerir sobre a possibilidade de uma comissão representativa de docentes para acompanhar o processo de transição para assegurar que os anseios dos professores fossem colocados sobre a mesa e não escapassem às tratativas. Propus, inclusive, que a referida comissão pudesse ser a própria Associação Docente já existente e eleita.
Óbvio está que uma comissão de professores poderá sempre existir, independente da anuência da direção da instituição. O pleito que apresentei, todavia, era de outra natureza: uma comissão com a qual a direção da instituição se dispusesse a dividir espaço à mesa de negociação, ainda que apenas para marcar a posição dos docentes e tentar garantir, por exemplo, a permanência dos contratos de trabalho.
Ao longo dos dias que se seguiram, por email, foram sugeridos nomes para integrar tal comissão representativa e, dentre os indicados, constava o meu. Foi marcada uma reunião dos docentes da faculdade na sede do Sindicato dos Professores para, dentre outras deliberações, oficializar a comissão e conhecer, por meio de representante do Sinpro de Petrópolis, a real situação da Universidade, ao menos sob a ótica daquele sindicato.
Nessa reunião, fui surpreendido pela exposição do raciocínio de um colega professor que aconselhava os demais a pensarem com mais cautela sobre a indicação de meu nome. Afinal, além de professor, atuo na direção de uma escola de educação básica e, como tal, integro os quadros do Sindicato Patronal. Para o colega, caso a comissão fosse formada com a chancela do Sinpro, a minha presença poderia configurar conflito de interesses ou coisa parecida.
Fiz questão, imediatamente, de declinar da indicação sem muito discutir sobre a legitimidade do argumento. Afinal, em tela estavam demandas mais urgentes e que interessavam verdadeiramente mais à coletividade. Apenas fiz constar que sou “professor” da faculdade (pois é isso que consta em meu registro profissional) e, como tal, contribuinte compulsório da contribuição sindical anual.
Questiono-me: caso haja algum impedimento legal (ou, mesmo, moral) para minha indicação, gostaria de conhecê-lo. Afinal, como poderia trabalhar como professor e não exercer integralmente minha profissão, que inclui participação em seus fóruns representativos?
Ou ainda: o Sindicato Patronal do qual sou signatário sequer representa a instituição de ensino superior em questão.
É verdade que integro a direção de uma escola, mas é verdade também que, antes da função administrativa, sou professor! Sou habilitado para exercer minha profissão: além do curso de formação de professores, tenho dois diplomas universitários (sendo uma Licenciatura), uma especialização, um mestrado e um doutorado. Atuo em sala de aula há dezoito anos e, no ensino superior, há onze.
Na função de representante de uma empresa empregadora – uma escola contratadora de professores – nunca atuei como usurpador do direito alheio. Não carrego em minha história, ao longo de 22 anos de existência da escola, uma única reclamação de natureza trabalhista, um único dia de atraso no pagamento dos salários, bem como dos impostos e tributos deles decorrentes. Nunca houve a violação de nenhuma cláusula dos acordos coletivos da categoria.
Penso, também, em que tipo de motivação poderia ter provocado tal colocação do colega professor. Não posso crer que seja nada de natureza pessoal. Afinal, o “colega”, na verdade, fora meu professor, tanto no colegial, como na própria faculdade. Um profissional por quem sempre nutri profundo respeito e admiração. Alguém por quem guardo gratidão por ter me ajudado a perceber o valor da História. Muito menos, posso pensar que seja de ordem profissional ou de relacionamento; aliás, nosso trato sempre foi muito amigável e, inclusive, com luzes de liberdade e afeto.
Não creio, por outro lado, que a motivação seja desconfiança. Afinal, que interesses há nessa situação dos quais eu possa ser um agente que, em lugar de representar a categoria, faça as vezes dos gestores envolvidos? Isso seria contra-senso!
Só posso enxergar que a motivação seja de natureza ideológica. Afinal, para alguns setores intelectuais e políticos já superados, patrões e empregados são inconciliáveis e estão, forçosamente, de lados opostos. Sem querer advogar por um romantismo irreal nas relações de trabalho e capital, não posso deixar de apontar: ideologias caducas e fundamentalistas são, inevitavelmente, fonte de intolerância e, pior, ignorância. Sempre que se permite guiar a razão pela força de uma autoridade (mesmo que seja a autoridade de uma doutrina filosófica pré-estabelecida), o que se faz é abrir espaço para o preconceito; ou seja, receber sem crítica uma ideia alheia, torná-la sua sem necessariamente passar por uma elaboração pessoal. O problema, ademais, é que preconceito é fonte inevitável de prevenção – como advertia Descartes – e, por fim, discriminação.
Curioso é que esquemas ideológicos que tanto se arvoraram pela luta contra alienação, não raro, fez produzir exércitos inteiros de alienados, gente que não tem opinião própria, mas que se deixa conduzir por esquemas pré-moldados.
Permito-me, ainda, refletir sobre ter uma atitude empreendedora no ramo educacional. O que há de mau nisso? A não ser que se pense que a única dignidade do professor seja atuar num emprego público ou confessional, a iniciativa privada é, mais do que legítima, necessária.
No cenário educacional brasileiro, cerca de um quarto da população em idade escolar é atendido por escolas privadas. Aliás, escolas que, via de regra, apresentam resultados qualitativos consideráveis. A falência do ensino público não se deve à iniciativa privada, e, sim, a ineficiência dos gestores públicos e das mil mazelas da política nacional.
Devo, também, insistir na questão da legitimidade. Não será possível uma mesma pessoa atuar em duas ou mais frentes? Não será possível, ao mesmo tempo, trabalhar como professor, pesquisador, intelectual e, concomitantemente, alimentar o sonho de uma empresa geradora de trabalho e emprego dignos que, ao mesmo tempo, se preocupa em ser uma escola de qualidade que auxilie crianças e adolescentes no caminho de superação pessoal e do crescimento intelectual e humano.
Por fim, senti-me muito triste com a infeliz colocação do colega. Primeiro porque se trata de uma visão reducionista da realidade, visão com resquícios perigosos das ditaduras. Segundo porque desestimula a iniciativa empreendedora dos profissionais da área de educação, comportamento que, no meu entendimento, poderá ser a mola propulsora dessa nossa nação.
Mas mais triste me senti porque me decepcionei com um velho professor a quem considerava ser um belo referencial. Mas, cedo ou tarde, feliz ou infelizmente, ilusões se dissipam!