“Se ensinares, ensina ao mesmo tempo
a duvidar daquilo que estás a ensinar”.
José Ortega y Gasset
A sociedade contemporânea, por sua imensa diversidade, tem imposto a sensação de que a capacidade das pessoas tem se potencializado. Isso tem seu lado de verdade, se pensado sob o ponto de vista do acesso à informação. Por outro lado, os fatos têm revelado o quão frágeis têm se mostrado nossas conquistas e como há efeitos colaterais nocivos em muito do que pensamos ser avanço e evolução.
Dados e números relacionados ao meio ambiente, à saúde, à educação e a tantos outros aspectos da vida individual e social revelam que nosso tempo sofre por conta da intervenção humana.
Tanto do ponto de vista cognitivo, quanto em questões psicoafetivas, está claro que estamos doentes. Se há, por um lado, avanços significativos na ciência e suas tecnologias e conhecimento cada vez mais profundo sobre o comportamento e as sensações humanas, há, por outro, uma visível superficialidade nisso tudo.
Na escola, reverberam todas essas crises. O conhecimento que aparentemente está ao alcance dos cliques se esvai facilmente. O comportamento e os valores se revelam cada vez mais frágeis. A suposta solidez de outros tempos cedeu espaço ao campo das interrogações e medos.
Tudo isso é resultado, em primeiro lugar, de uma verdadeira revolução pela qual estamos passando; uma mudança de paradigma da qual somos protagonistas e espectadores ao mesmo tempo; algozes e vítimas.
Mas, além disso, a liquidez de nossos saberes e valores se deve, também, a insensibilidade ou a inflexibilidade que nos aprisiona numa visão de mundo muito restrita e que nos atrapalha a ver o vale amplo e promissor que se descortina adiante de nós.
O conhecimento tem uma característica especialmente estranha. Da mesma forma que liberta e nos ajuda a ousar e avançar, ele nos dirige ao conforto e à segurança do lugar em que estamos. O mesmo saber que nos faz caminhar, em algum momento, nos faz também estacionar. Paramos sob a segurança de que o rumo das coisas é, inexoravelmente, esse mesmo. Acomodamo-nos.
A ciência tem, na sua genética, a dúvida e a pergunta. Conhecimento não se faz com informações acumuladas e empilhadas umas sobre as outras. Ciência e conhecimento se constroem revolucionariamente; ou seja, se edificam sobre a demolição de velhos e ultrapassados saberes. Não há outro jeito: para construir o novo, é preciso demolir o velho.
Um personagem seja central em todo esse processo é o professor. São esses profissionais que vão nos ajudar a construir as bases do saber. Não simplesmente o conteúdo do saber, mas, especialmente, a forma de aprender e a forma de saber.
Há professores que ensinam “coisas”. Há os que, de outra forma, estimulam o “aprendizado”. Os primeiros tendem a se perder pelo tempo e pela efemeridade dos saberes. Os segundos, ao contrário, podem se perpetuar pelo fato de terem ajudado a fincar as colunas de sustentação do saber crítico e que permanentemente se atualiza.
O principal legado de um professor é emprestar aos seus alunos a consistente capacidade de acreditar em si mesmos, mas, paradoxalmente, a curiosa postura de quem sabe rir de si mesmo e reconhece-se provisório e sempre em transformação.
A maior de todas as tentações dos professores é o fundamentalismo. Somos chamados a ajudar na formação das bases e dos fundamentos dos estudantes que a nós são confiados. Por isso, tendemos, às vezes, à comodidade do saber pronto e das ideias que parecem intocáveis.
De todas as possibilidades que aos professores são abertas, a maior delas é a chance que têm de ajudar os alunos a crescerem por mérito próprio e a serem autores de sua história.
A professores, cabe uma densa responsabilidade: apontar o caminho do saber que, para além de saber fazer, sabe saber-se provisório e sempre em transformação. Talvez essa seja a maior de todas as tarefas e, por isso mesmo, a mais gratificante: ensinar a desaprender.