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Pessimismo político


Sobre meu pessimismo ...

Temos vivido dias difíceis. A sociedade brasileira está às portas de algo sério. Não sei bem a extensão e a profundidade das mudanças que ocorrerão. Mas algo está, sim, mudando.

Não sei bem se pra melhor ou pra pior. Acho que em ambas as direções há sinais de mudanças. O futuro mostrará com mais clareza. Nosso desafio é viver de dentro do turbilhão e ter a lucidez necessária.

Os anos de ditadura, desde 1964, criaram um inimigo comum a ser vencido. As manifestações das "diretas já" revelaram o que (quase) todo mundo queria: votar, escolher, democratizar as decisões.

Isso conquistado, sucederam-se na presidência os três principais grupos de oposição à ditadura. PMBD, PSDB e PT tiveram sua oportunidade de governar.

Vencido o vilão da década de 80 e 90, a inflação, o país passou a tentar se organizar. Setores estratégicos foram atacados. Educação, saúde, gestão, legislação, infraestrutura e economia entraram, de uma forma diferente, na agenda.

É claro que de tudo isso (e de muito mais) faltou e ainda falta muito. Há mais demandas hoje. Há mais clareza do que necessitamos.

À estabilidade econômica alcançada no governo do PSDB se seguiu um foco distinto nas políticas de inclusão social. O PT pôs sobre a mesa um olhar mais dedicado às inúmeras fissuras da sociedade brasileira.

Na pauta, começaram a ganhar força questões que antes eram varridas pra debaixo do tapete. Preconceito, racismo, pobreza, fome, desemprego, educação superior etc ganharam discussão com densidade social. Políticas públicas passaram a existir de fato.

Mas houve questões ausentes sempre. Corrupção nunca foi tema de atenção de nenhuma agremiação política no país. Pra ser franco, vivemos durante muito tempo uma espécie de resignação nacional. Política e roubalheira se confundiam. E isso sempre foi "normal".

Com o amadurecimento das instituições da república, notadamente dos tribunais de contas e ministérios públicos, a extorsão da coisa pública passou a ser melhor fiscalizada. Aqui e ali surgiram denúncias, inquéritos, processos e, eventualmente, cassações e responsabilizações. Chegamos, finalmente, a prisão de graúdos da política.

Não dá pra negar que avançamos, se pensarmos por esse ângulo. Mas é inegável também que nisso tudo há mais ingredientes envolvidos do que simples funcionamento do sistema republicano. Há interesses. Há grupos interessados.

Corrupção não foi invenção da última década. Tampouco houve institucionalização dela ou aumento do volume roubado. Ao contrário. O que há hoje é uma forma diferente de lutar pelo poder.

De um lado, sobrevive o ranço da corrupção e da conquista do poder pela força da grana e da compra escusa de votos e eleitores (nas urnas e nas casas legislativas). PT e PSDB especializaram-se em comprar congressos e beneficiar-se da bandalheira.

De outro, mantém-se a cultura do golpe e dos totalitarismos. As urnas são boas, sim, desde que confirmem o que determinados grupos desejam que ocorra. Afinal, nada melhor que dar ares de democrático ao que no fundo não pode ser classificado sequer como razoável. PT e PSDB especializaram-se em forjar movimentos populares e institucionalizar a cultura da reivindicação.

No meio disso tudo, os oportunistas de sempre. Setores que não tem lado nem ideologia. Gente que tanto faz como tanto fez. Desde que não mexa nos seus interesses, é claro. E aí, amigo, estão desde a família branca que vê a vaga da universidade pública disputada "injustamente" por causa das cotas até o diretor da Petrobras que, ao ter a voz de prisão anunciada, perguntou atônito "que país é esse"?

Considero falsa essa classificação de elite branca ou essa dissensão inventada entre nós e eles. O que há, infelizmente, é um ódio construído. Um ódio edificado sobre as carências de cada grupo.

São resquícios da "casa grande" e da "senzala". Uma persistente cultura da vantagem.

Nossa cultura brasileira, historicamente, foi erguida com a lógica da exploração. O país foi construído para "enriquecer" os seus extratores. Aliás, "brasileiro" é profissão. Não é adjetivo pátrio. É designação de profissão (semelhante a pedreiro, marceneiro, torneiro). Assim somos todos nós, ao menos um pouco. Nosso patriotismo está diretamente ligado ao que o "país" nos dá em troca. Daí nossa quase religiosa obsessão pelo "emprego público". Poderia considerar mais a respeito, mas já dá pra entender a lógica que nos move.

As manifestações do dia 15 são reverberações das eleições de 2014. Um terceiro turno requentado pelo cenário econômico mundial, pelas últimas da corrupção na estatal e, por que não, por um governo que se perdeu em si mesmo. Pra agradar uma oposição derrotada nas urnas, vendeu a alma. Deu no que deu.

O que me surpreende - se é essa mesmo a palavra - é o sentimento de ódio e agressividade que há nas palavras e gestos. Isso foge ao que pensávamos saber sobre o povo brasileiro. Sempre fomos instruídos sobre sua passividade, gentileza e cordialidade. O que se vê é uma gente raivosa, agressiva e intolerante.

É uma pena que seja assim que as coisas estejam acontecendo. Os partidos políticos não são opções razoáveis nas quais confiar. O executivo vive como refém. O legislativo anda em busca de vantagens. O judiciário julga com pesos e medidas distintos, quando não anda por aí de carrões de réus de reputação duvidosa.

Os meios de comunicação fazem mais que informar. Torcem. Torcem o nariz quando seus interesses são afetados. Torcem a realidade para fazê-la voltar a si mesma. Torcem por uns poucos preferidos hoje é por outros amanhã.

As redes sociais são um ingrediente novo nessa massa toda. Potencializaram a voz de todos. Com tudo que isso implica. Lembro-me do Nelson Rodrigues e a revolução dos idiotas.

Temos vivido, sim, dias difíceis. A sociedade brasileira está às portas de algo sério. Não sei bem a extensão e a profundidade das mudanças que ocorrerão. Mas algo está, sim, mudando. Mas acho que não é nada bom o que nos espera.

Uma sociedade de verdade se constrói por sobre o que os filósofos chamam de Contrato Social. Algo diferente do reclamado nas ruas nessas manifestações. Algo que não se quebra por motivações pessoais e eventuais. Algo que permaneça. Que transcenda. Precisamos do nosso. Urgentemente.

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