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200 anos: da Suíça dos refugiados a Nova Friburgo dos enclausurados


As atividades sobre os 200 anos de Nova Friburgo têm me feito pensar também em temas da contemporaneidade. Refugiados e intolerância, por exemplo. O avô do meu avô chegou ao Brasil como refugiado. Movidos pelos ventos da necessidade, no século XIX, atravessou o oceano em condições degradantes - fugindo da fome, do desemprego e da miséria em que estava mergulhada a Suíça (a Europa em geral). Por aqui, parte dos seus descendentes - e de outras tantas famílias que na região se fixaram - prosperaram. Uns inclusive - de janelas fechadas para os ventos abolicionistas - sob a marca imoral da escravização de outros seres humanos. Seu neto, meu avô, também foi um retirante. Um homem alado pela coragem das ventanias, deixou sua Duas Barras em busca de oportunidades melhores para criar seus filhos em Friburgo. A história é assim mesmo: dinâmica, tensa, mutante. A história é um sopro permanente - nunca constante. Não há verdades a serem conservadas. Elas mesmas se revolucionam. São inquietas e migrantes. Detestam a clausura. Na celebração dos 200 anos, é preciso também rememorar as ambiguidades de toda essa história. E revisitar a vocação dessa nossa terra para o acolhimento, para o diferente. Subir de novo nos cumes de nossas montanhas onde o vento nos lembra da instabilidade que é a vida. Desenclusurar. Isso, infelizmente, se perdeu com o tempo. Só há espaço hoje para uma narrativa. Desapareceu o espaço do trânsito, do diálogo, da pluralidade de ideias e do contraditório. Não há ventos novos no Vale do Morro Queimado. Não dá para esquecer que somos todos errantes; refugiados, em algum sentido. Não é possível ficar insistindo na conservação de um refúgio seguro e paradisíaco que jamais existiu. Portos seguros não vencem oceanos. A memória do avô do meu avô é que me impele, dia a dia, a me retirar de todo lugar que se pretende inabalável. Me instiga a subir montanhas e atravessar oceanos. Morros e mares que moram, inclusive, dentro de mim mesmo. Nem as montanhas mais imponentes - símbolos dessa terra de oportunidades - ficarão de pé para sempre. E será o mesmo vento de sempre quem as tornará pó. __________

(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com

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