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O perigo chamado professor




Ricardo Lengruber


Professores são um perigo. Por isso, inclusive, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Por isso, também, os governos, desde sempre, não valorizam devidamente os professores. Por isso, até mesmo os professores muitas vezes boicotam a si mesmos se permitindo serem invadidos por interferências estranhas ao seu ofício; mesmo que bem-vindos, os pitacos de médicos, juristas, “neuros”, “psicos”, nutricionistas e toda sorte de coachs não podem nunca substituir o saber específico e, convenhamos, seminal, dos educadores.


Professores são um perigo porque, ao ensinar os primeiros movimentos, cores, texturas, formas, histórias e canções, descortinam um mundo de fantasia e sonhos que uma família, por mais plural e aberta que seja, jamais conseguirá legar a seus filhos. A escola, como espaço diverso do ambiente domiciliar, abre as portas de um mundo imenso aos estudantes. Isso causa pavor para as mentes que gostam de gaiolas e regulamentos.


Professores são um perigo porque, ao ensinar as primeiras letras e palavras, permitem que as pessoas comecem a escrever sua própria história e a andar pelas próprias pernas; que passem a compreender a realidade por seus próprios recursos. E, claro, isso também causa ojeriza em quem preza pela cartilha e pelo pacote pronto.


Professores são um perigo porque, ao ensinar números e cálculos, abrem uma caixa de possibilidades que pode fazer nossa garotada fazer contas indesejadas para um sistema que se apropria do que não é seu e empurra para a marginalidade a imensa maioria das pessoas. Isso, é óbvio, torna a educação uma ameaça aos donos do poder; aqueles que moram lá no andar de cima e que, paradoxalmente, contam com a conivência – e, não raro, até mesmo a defesa – dos que moram nas periferias e só podem usar o elevador de serviço.


Professores são um perigo porque a História não é um amontoado de datas, lugares e heróis (como desejam os enciclopedistas de plantão). E, ao ensinar a reflexão crítica sobre a realidade e as razões de suas tensões, os professores ajudam os estudantes a não se permitirem doutrinar por aqueles discursos aparentemente ingênuos que só reforçam o que aí está e, ainda mais, que acabam por legitimar injustiças e violências.


Professores são um perigo porque ao dialogar sobre estado laico fazem com que as lentes com as quais vemos o mundo passem a ser mais amplas, mais inclusivas e, por isso mesmo, mais humanizadas. O perigo existe porque há quem prefira ovelhas de um rebanho que bovinamente segue um cajado a pessoas autônomas cheias de argumentos e capazes de respeitar e tolerar o diferente.


Professores que ensinam ciência, geografia, biologia, física e química são especialmente perigosos numa sociedade que se esforça para provar que a Terra é plana, que vacinas matam e que que existe uma conspiração ”globalista” da nova era contra a família, contra a pátria e contra deus.


Professores são um perigo porque ensinam que nós podemos pensar com a própria cabeça; que não dependemos de terceiros, senão para neles nos inspirar, mas jamais para a eles reproduzir acriticamente. Professores ameaçam porque ensinam a aprender pela vida toda. E ensinam que certezas não existem.


Professores são um perigo porque sabem acender nos corações uma chama de perseverança que fazem até os mais abandonados nos cantos mais esquecidos desse mundo terem a ousadia de sonhar. Professores emprenham a vida de utopia. E é esse o maior de todos os perigos. Imagina que gente é essa que tem a falta de decoro de ensinar o que é esperança?


Por essas e outras que, claro, os professores são um perigo! Mas o mais importante é sempre se perguntar – perigo para quem?


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