A entrevista de Bolsonaro ontem no JN, na minha opinião, foi um divisor de águas. Ficou claro que não se trata de um despreparado, mas de um ser político que consegue se adaptar bem aos diferentes meios em que precisa transitar.
Tem boa performance nas redes sociais (onde destila conteúdo discriminatório) e se saiu muitíssimo bem ontem na Globo (certamente porque viu a entrevista com Ciro no dia anterior e sabia o que o esperava). Sua primeira palavra foi: “isso aqui tá parecendo uma plataforma de tiro de artilharia, eu to me sentindo confortável aqui”. Houve momentos de muita tensão, sim; os entrevistadores escolheram a dedo as sandices que o deputado vem falando ao longo dos últimos anos e tentaram encurrala-lo.
Não foram tão incisivos como foram no fuzilamento com Ciro e sofreram, em várias passagens, com a metralhadora giratória do candidato que arrematou colocando no colo de Roberto Marinho o apoio ao golfe de 64 (que para ele, Bolsonaro, foi um governo legitimamente eleito). Falou sobre salários diferentes entre homens e mulheres constrangendo a apresentadora.
Comentou sobre homofobia apelando para o sentimento médio (e preconceituoso) do ‘pai’ brasileiro. Apontou para soluções violentas nas temas sobre segurança pública. Em outras palavras: falou o que uma parte considerável do eleitorado brasileiro está se mostrando disposto a ouvir, disposto a votar e, pior, se mostrando como sendo sua própria identidade: homofóbico, misógino, racista, subletrado e sádico. O Bolsonaro fala o que está no imaginário social. E - um adendo - não se trata de que ‘eles’ pensam assim e ‘nós’ pensamos assado.
Há em todos nós, infelizmente, uma parcela desses valores dos quais ele se tornou porta-voz. Há quem lute contra isso, sim; mas o fato é que esse é o ideário brasileiro real da maioria da população. E certamente é assim por conta de uma história de supressão sistemática de direitos, de uma sociedade forjada na cultura de que direitos são favores e privilégios são naturais. Gente que só conquista algo na força ou no jeitinho. E ele captou bem essa universo cultural.
A palavra é usada quase sempre em outros âmbitos, mas o que assistimos ontem foi um triste exercício de ‘empatia’. Ele sabe se colocar no lugar desse brasileiro insensibilizado. Por isso, tem quem o chame de mito.
Bolsonaro está reformado do Exército há décadas. Mas mostrou ontem que é bom de pontaria - pelo menos no discurso político. E o JN ontem serviu bem mesmo de plataforma de artilharia pra ele. Pode até ser que Bolsonaro não seja eleito dessa vez. Mas o cenário está muito favorável para esse tipo de discurso. E vai piorar.
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(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com
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