Tenho visto alguns comentários sobre os bombardeios na Síria e uma interpretação de que seriam cumprimento de profecias bíblicas (Is 17, p.ex.). Em outras palavras: obra de Deus. Parte da ideia que a Síria do texto é a mesma Síria de hoje e que ambas são merecedoras da ira divina. Isso revela desconhecimento nas áreas de história, exegese, hermenêutica e teologia. É de um anacronismo absurdo e ignorante. Além disso, esse tipo de interpretação da Bíblia carece de humanidade mesmo. É muita falta de compaixão, para dizer o mínimo. Esbarra no sadismo. Ainda que o sujeito não saiba nada sobre análise de textos antigos e de ciências da religião, deveria, ao menos, se perguntar sobre que Deus é esse que vaticina mortes de crianças. Mais que isso, deveria tentar se informar sobre o nosso tempo. Sobre uma guerra cujos responsáveis estão decidindo quem vive e quem morre em banquetes de engravatados a mais de dez mil quilômetros de distância. Sobre petróleo. Sobre armamentos. Sobre extremismos. Sobre conflitos que nada têm a ver com os profetas de 27 ou 28 séculos atrás. Jesus esclareceu para os fundamentalistas de seu tempo que “o sábado foi feito para o ser humano e não o ser humano para o sábado.” Ou seja, as palavras e os mandamentos de Deus são muito mais instrumentos de libertação do que normas para cumprir como quem vive oprimido pelo medo. Ou muito menos palavra predeterminada que viola liberdades e agride a dignidade humana. Acreditar mecanicamente nas letras das Escrituras é o mesmo que engaiolar Deus. É um bom modo de controlar corpos. É preciso tentar discernir a quem esses discursos interessam. Uma preocupação a mais me salta aos olhos quando vejo essas sandices: que espiritualidade é essa que gera esse tipo de compressão da fé e da vida? A Bíblia existe para promover o processo de humanização. Fora disso, é tudo, menos Palavra de Deus.
