A utopia ilumina a ética.
Se não há pelo que esperar no futuro,
não importa muito a maneira como se age no presente!
O fato de estarmos numa situação específica não nos identifica, necessariamente, com as características todas dos outros que ocupam posições semelhantes. Por isso, classificar e categorizar pessoas é um equívoco!
Pertencimento e identificação são categorias que, ao mesmo tempo, aproximam e afastam. A forma de agir está condicionada, por assim dizer, por aquilo que esperamos e acreditamos. É essa “fé” fundante que orienta o pertencimento a esse ou àquele grupo, nesse ou naquele momento.
É curioso que buscamos, ao mesmo tempo, individualidade e coletividade. Por um lado, desejamos ser reconhecidos pela singularidade de nossa existência. Por outro lado, precisamos ter a sensação de pertencimento ao grupo.
É como se habitasse dentro de nós uma constante e permanente tensão entre essência e existência. Um enfrentamento perene entre o que faz "o que somos" e o que nos impele a ser da maneira "como estamos sendo"; isso sem falar naquilo que “desejamos ser”, ou naquilo que “esperamos por ser”.
Creio que seja por isso tudo que vivemos uma positiva e constante crise de identidade. Experimentamos diuturnamente uma busca por algo que está, aparentemente, além de nós. Habita dentro de nós um desejo insaciável por algo além do que está posto. Não desejamos isso ou aquilo, simplesmente. Desejamos tudo! Essa inexorável sede é, ao mesmo tempo, motor da existência (porque nos alavanca para adiante) e causa permanente de frustração (porque esbarramos sempre nos limites da vida). O grande desafio da vida está em aprender, todos os dias, ousar e avançar, sem perder de vista a imperiosa necessidade de saber recuar e desistir; está em construir uma individualidade que se sustente, sem deixar escapar a necessidade de pertencimento e acolhimento com os semelhantes.
Identificar uma pessoa exclusivamente por conta de suas opiniões é muito arriscado, mas ignorar suas preferências é desconsiderar sua contribuição à coletividade.
Todos somos, em alguma medida, "eu" e "nós". Em cada um, habita, paradoxal e concomitantemente, natureza e desejo. Somos o que a natureza nos fez ser, mas, para além disso, insistimos em inventar uma vida nova a cada dia.
No fundo, o que interessa é que somos livres: é isso que nos identifica como "indivíduo" e nos categoriza como "coletivo". A mesma liberdade que nos outorga "pessoalidade" é a que nos une na "sociedade". Somos capazes de nos arrepender, porque somos livremente éticos.
Nossa identidade está diretamente ligada àquilo em que cremos, àquilo pelo que esperamos. A utopia ilumina a ética! Se não há pelo que esperar no futuro, não importa muito a maneira como se age no presente.
Por isso, não há nada de errado na busca pelo pertencimento a esse ou aquele grupo ideológico; o problema surge quando uma determinada visão de mundo se sobrepõe a um conjunto de valores e os relativiza. Quando isso ocorre, nos indispomos com a coletividade e optamos pela individualidade. Isso porque os fins e os meios são interdependentes; uns não podem, isoladamente, justificar os outros.
É exatamente quando a ética, iluminada pela utopia, irrompe com o entorno e constrói uma pessoa verdadeiramente livre que, por sua vez, há de ajudar na transformação do mundo com o qual rompeu!
Há basicamente dois caminhos na vida: cuidar de nossa subsistência e tratar de trabalhar e ganhar dinheiro para o sustento (biológico) ou imprimir à vida um sentido existencial capaz de deixar um legado (biográfico).
Ética é escolha. E as boas escolhas ocorrem quando se deseja deixar um legado.