Essas duas ideias (empreendedorismo e sustentabilidade) têm me incomodado bastante nos últimos tempos. Talvez seja só implicância. Mas desconfio que esses conceitos escondam mais do que revelem e transformem.
Sob a ideia do empreendedorismo, me parece, se escondem os pilares da ideologia que sempre nos dominou, desde os primórdios da tradição judeo-cristã: a lógica de que o mal existe porque o bem não encontrou lugar. A máxima que afirma ser o próprio indivíduo o responsável por seu sucesso e, por conseguinte, por seu fracasso. A ideia de que tudo nos é possível, desde que haja esforço, foco e muita criatividade.
Parece coisa de religião (e acho mesmo que o empreendedorismo seja o discurso de uma religião civil pós moderna): a ideia de que a salvação depende, ao menos em parte, do indivíduo "salvo". Se não se tem sucesso é porque houve negligência.
Num cenário de desemprego, precarização de leis trabalhistas e tributos extorsivos, a melhor forma de manter as coisas como sempre foram é relativizar o valor do emprego, da legislação protetiva e do papel do estado.
É claro que a sociedade requer inventividade e iniciativa, mas as ideias correntes atualmente de empreendedorismo são, ao meu ver (modestamente), subterfúgios da crise para escamoteá-la.
Não é diferente o que ocorre com a tese da sustentabilidade. Passa a mesma máxima ideológica ocidental e cristã: o mundo precisa de salvação. E essa redenção, em alguma escala, está nas mãos das pessoas.
O problema é que se fala muito em economizar água, consumir conscientemente, reciclar resíduos e rever discursos. Mas o cerne mesmo dos grandes problemas ambientais planetários estão incólumes: os maiores emissores, os grandes produtores (que induzem consumo) e a indústria da propaganda permanecem intocáveis. Afinal, a economia precisa crescer.
Não dá pra acreditar num discurso que culpa as pessoas e exime o sistema. Não dá pra concordar que a minha lixeira mudará o mundo se o padrão de consumo e o sistema econômico (pautado no crescimento permanente) não se rediscutirem.
É religião: culpa o varejo; poupa o atacado.
É óbvio que se deseja salvar o planeta (?), mas não concordo com a tese de que seja sob o sacrifício dos pequenos, apenas.
Enfim, a religião (do que eu tanto estou próximo) é impressionantemente poderosa: é capaz de se esconder por trás de discursos aparentemente nada semelhantes ao seu, apenas para manter-se ditando comportamentos e padrões.
Certo estava Jung: somos, em essência, seres religiosos; simbólicos. E como há poder nos símbolos!
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Duas observações finais:
Tenho críticas severas a determinadas formas e práticas religiosas. Mais ainda quando os discursos e as práticas são religiosos mas não se assumem como tal. Isso é bem pior.
Há muita gente ganhando dinheiro, à moda antiga, sob o discurso moderninho da religião, da sustentabilidade e do empreendedorismo.