A capacidade de dar atenção aos fatos é algo natural nos seres humanos, mas é uma faculdade seletiva. Ou seja, se, por um lado, somos capazes de nos debruçar sobre questões e delas cuidar atentamente, por outro, somos incapazes de dar conta de tudo e, por isso, privilegiamos isso em detrimento daquilo.
A questão é como fazemos tal seleção.
Os mecanismos de propaganda e de estímulo ao consumo perceberam isso muito cedo e nos “ajudam” a fazer tais escolhas. Compreenderam o apreço humano pelo cuidado e nos revelam diariamente produtos e assuntos que merecem nossa atenção.
A educação, de modo geral, e, especificamente, a escola não são exceções a essas regras. Temas aparecem e desaparecem ao sabor do que é mais ou menos publicado pelos meios de comunicação de massa.
Por um turno, isso ajuda a escola a ver o que, de dentro, é muito difícil de perceber. São vozes e olhares que, desde fora, nos ajudam a detectar questões urgentes e sérias. Mas, de outro, são falações vazias que, por não conheceram as verdadeiras demandas do processo educacional, acabam por forçarem uma agenda estéril.
Não é de hoje que, no dia-a-dia das escolas, ocorram experiências de violências em seus muitos recortes e matizes. Mas está na ordem do dia da grande mídia o assunto “bullying”.
Bullying é uma expressão em língua inglesa (originada de bully, valentão) que expressa a regularidade de ações violentas, verbal ou fisicamente, de um ou mais indivíduos contra alguém mais fraco ou, por alguma razão, em condições de fragilidade.
O problema, todavia, é que tudo que tem a ver com qualquer tipo de descontentamento tem sido rotulado como bullying e, dessa forma, gerado uma série de situações insolúveis para escolas, famílias e comunidade.
Deve haver clareza que a escola é o espaço privilegiado para a construção do caráter, dos valores e, acima de tudo, de uma individualidade sadia. Nesse sentido, a escola deve primar para que sua ação educativa seja o mais abrangente possível e alcance todos os aspectos da vida de uma pessoa. A mesma escola que instrui o intelecto deve ajudar a educar o corpo, a mente e a personalidade.
É absolutamente inadmissível que um indivíduo seja vítima da tirania preconceituosa e hostil de colegas de classe. Agressores, agredidos e platéia devem ser incluídos num processo sério de educação.
Agressores devem ser levados à descoberta de que o mundo é plural e a convivência com os diferentes faz parte inerente ao processo de socialização humana.
Agredidos devem ser conduzidos a uma atitude emancipatória, baseada em confiança em si mesmos e auto-estima.
E a platéia – porque nos episódios de bullying regularmente há uma platéia calada que consente, aplaude e estimula – deve ser co-responsabilizada pelos danos causados pelos agressores.
Na base de tudo, está o que sempre deveria ter estado como preocupação última da escola: a Ética.
A força motriz de uma escola deve ser a educação para a liberdade. Colaborar para que o indivíduo encontre o significado de sua existência dentro de si mesmo e, como desdobramento dessa descoberta, extravase respeito e cuidado para com o semelhante e com o ambiente.
O bullying é a expressão deplorável das lacunas éticas que moram dentro dos indivíduos. Lacuna que há porque ainda existe muita omissão das famílias no que tange à reta educação das crianças e adolescentes. Falta a presença real da autoridade e do carinho dos pais. Autoridade que freia os impulsos violentos; carinho que estimula o amor próprio.
Por fim, não se pode deixar de mencionar o uso indevido que tem sido feito do assunto. É ruim que tudo que ocorra dessa natureza seja enquadrado como bullying. Há gestos e brincadeiras que fazem parte do processo de formação das pessoas. Perder e receber críticas faz parte da vida e todos devem aprender a lidar com tais desventuras. Isso ajuda no amadurecimento saudável.
Quando tudo é classificado como bullying, duas conseqüências ruins ocorrem: primeiro, crianças e jovens são estimulados a encarar todas e quaisquer perdas como violência contra si e, com isso, não crescem sabendo responder por seus erros e atitudes; segundo, o verdadeiro bullying não é tratado com a devida seriedade, responsabilizando verdadeiros culpados.
Uma escola ética deve punir agressores e ajudá-los a compreender o espaço dos outros; deve socorrer agredidos e contribuir para que se refaçam das dores e construam uma personalidade confiante; mas deve, também, co-responsabilizar a platéia conivente e incentivadora e estimulá-la a romper com o círculo de violência gratuita.
O bullying revela que a exacerbada preocupação com questões de natureza exclusivamente cognitiva da escola fracassou; mas demonstra também que há uma ausência completa da autoridade dos pais.