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Escola sem partido?


Há uma série de projetos legislativos que versam sobre o tema Escola sem Partido. É, na verdade, uma “pegadinha”. Uma armadilha da linguagem. Os projetos tratam de outras questões, mas ganham adesão popular porque seu nome de propaganda é obviamente para se ser a favor. Afinal, ninguém é a favor de uma Escola com Partido.

Ninguém, em sã consciência, seria favorável a que uma escola ou um sistema educacional se vincule a um partido político. Isso seria o mesmo que restringir o poder de reflexão crítica que é inerente a qualquer projeto educacional que se preze. Todas as vezes que isso ocorreu houve ditadura e censura; e o mais precioso ingrediente do saber fora sequestrado: a liberdade.

Mas o mesmo equívoco comete quem entende que seria possível neutralizar a educação e a escolade processos ideológicos. Seria o mesmo que acreditar numa matéria prima do conhecimento que fosse neutra e estéril – e que cada um utilizaria conforme sua preferência. Mas isso não existe. O saber é, intrinsecamente, ideológico.

Ideologia é o conjunto de ideias que fundamentam nossos valores e motivam nossas atitudes. Ideias que nascem do contexto social e histórico no qual se vive. Contexto forjado por tradições, valores familiares, princípios religiosos, meios de comunicação e cultura vigente. Não há ninguém sem ideologia.

Ou seja, é impossível fazer educação sem levar em conta a pluralidade de perspectivas de que é formada a vida e a história.

Por exemplo: não dá para ensinar língua portuguesa sem compreender seu desenvolvimento histórico e em que medida a norma culta é retrato de um estrato da sociedade apenas; não é possível ensinar matemática sem se debruçar sobre noções de perdas e ganhos, e sobre escolhas sobre dividir ou acumular; não cabe ensinar história sem se debruçar sobre temas a respeito dos quais precisamos sim tomar partido (escravidão, nazismo, guerras, revoluções e heróis); não dá para encarar a literatura higienizando-a de seus personagens e suas características profundamente humanas; não é possível expor autores e escolas filosóficas como se essas não fossem necessariamente partidárias e ideologicamente orientadas. É, por fim, impossível fazer ciência e tecnologia sem a crítica do atual estado das coisas; sem refletir sobre os processos de consumo e esgotamento da natureza; sem questionar os padrões de saúde e estética; sem ponderar sobre noções de segurança, privacidade, direitos e deveres.

Se é verdade que não cabe ao professor e à escola a doutrinação de qualquer espécie que seja (política, religiosa, filosófica etc), é igualmente acertado que não há educação sem a garantia do pluralismo de ideias. Não faz sentido a escola se aliar a um partido político. Muito menos fingir que não existe disputa partidária, um dos pilares da democracia. Uma coisa não pode excluir a outra.

Não há, que fique claro, ingenuidade de quem prega uma “escola sem partido”. Na verdade, os “sempartido” são partidários. Partidários da instituição de “tribunais pedagógicos” nas escolas e salas de aula. Tribunais que arbitrarão sobre bases muito relativas. E quando a lei abre espaço para arbitrariedades, injustiças passam a florescer. Professores ficarão ainda mais acuados em sala de aula.

No fundo, esses projetos são a velha forma de maquiar a realidade. O sistema educacional brasileiro precisa, sim, de profundas reformas. Mas não carece de mudanças que apenas inibam o que há de mais precioso na inteligência humana que é seu senso crítico.

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