Viver é uma sucessão de escolhas. Diferente dos animais, que têm suas vidas definidas pelos instintos e pela natureza, nós, seres humanos, estamos condenados a viver livremente.
A liberdade, nesse sentido, é a capacidade de deliberar sobre a própria existência. É a possibilidade de escolher e decidir sobre o destino de si mesmo.
Trata-se do componente basilar da ética; daquilo que fundamenta a forma de viver e conviver; do conjunto de opções que tomamos com vistas à busca de felicidade e realização, bem como de convivência e respeito pelo outro.
O fato de haver tanta dor e injustiça na história revela, apenas, que a vida humana é complexa; isto é, que os valores que orientam as escolhas são relativos e contextuais. Daí nossa incansável busca e nossa infinita possibilidade de erro.
Como a convivialidade é uma demanda para que haja possibilidade de sobrevivência, instituímos regras e princípios para viabilizar a vida. Hábitos, regras, mandamentos e tantos outros interditos constituem-se, assim, nas garantias para que o particular não se sobrepuje ao coletivo e, além disso, haja relação harmoniosa entre os indivíduos.
Segundo Thomas Hobbes, é o Direito uma das formas mais elaboradas na tentativa de socializar “artificialmente” os seres humanos: é a via de passagem do estado natural para o estado político. No estado natural, o poder de cada um é medido por seu poder real; cada um tem exatamente tanto de direito quanto de força e todos só pensam na própria conservação e nos interesses pessoais. Para Hobbes, o homem se distingue dos insetos sociais, como as abelhas e as formigas; por isso, o homem não possui instinto social. Ele não é sociável por natureza e só o será por acidente. As expressões pelas quais Hobbes o descreve são célebres: “Homo homini lupus”, o homem é o lobo do homem; “Bellum omnium contra omnes”, é a guerra de todos contra todos.
Por outro lado, a filosofia de Jean-Jacques Rousseau tem como essência a crença de que o ser humano é bom naturalmente, embora esteja sempre sob o jugo da vida em sociedade, a qual o predispõe à depravação. Para ele, o homem e o cidadão são condições paradoxais na natureza humana, pois são o reflexo das incoerências que se instauram na relação do ser humano com o grupo social, que inevitavelmente o corrompe.
Em sua obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau discorre sobre a questão da maldade humana. Para melhor analisar, ele estabelece três etapas evolutivas na jornada do ser humano. O primeiro estágio refere-se ao homem natural, subjugado pelos instintos e pelas sensações, sujeito ao domínio da Natureza; o segundo diz respeito ao homem selvagem, já impregnado por confrontos morais e imperfeições; segue-se, então, a condição do homem civilizado, marcada por intensos interesses privados, que sufocam sua moralidade.
Entre os extremos, julgo morar o lugar do equilíbrio tênue entre o instinto natural (que comanda a sobrevivência), a ética social (que reprime o individualismo e incentiva a convivialidade) e a moral pessoal (que precisa ser alimentada individual e socialmente).
Entendo que está no conjunto de valores morais – a ser nutrido dia-a-dia em cada indivíduo – a chave para que a sociedade garanta sua sobrevivência. As leis, exclusivamente por si mesmas, não dão conta de gerir os grupos. A natureza humana, em si, dada sua emocionalidade, constrói muros nos acessos pelo diálogo. Há, ao que parece, uma urgente necessidade de cultivo de valores morais pessoais. Valores intrínsecos a cada indivíduo que o façam agir (ou não) em nome do bem (para si e para os outros).
É nesse campo, na minha avaliação, que entra o papel formador da escola. Não como espaço de instrução sobre correção e erro, pois, quando assim o faz, anula o sujeito e seu poder de análise, põe em risco a liberdade, destrói a autonomia do estado laico e fere o livre arbítrio. Diferente disso, por outro lado, é explicar regras e leis, ensinar o que é respeito, argumentar sobre ética e responsabilidade; ou seja, oportunizar a liberdade de se pensar prós e contras de cada ato; dar a opção de escolher por aquilo que julga mais sensato, mais coerente, justo consigo e com seu meio.
Dar noções basilares de cidadania é papel da escola. Afirmar sobre “certo” ou “errado” é direito e dever da família. A escola deve ater-se (e mesmo isso ainda não é feito adequadamente) a pontuar sobre deveres, direitos e responsabilidades; tratar da lei e sua aplicação social sem, necessariamente, adentrar pelo campo dos juízos de valor. Ou, melhor, revelá-los, no conjunto das discussões, e expôr suas imprecisões e relativismos.
Outro dado a ser pensado no ambiente escolar é a, assim chamada, disciplina. Onde abunda a indisciplina, via de regra, falta reflexão sobre ética. Onde há necessidade de muita coerção é porque, por óbvio, faltam valores formadores do indivíduo.
Quando, por exemplo, uma escola entende que é preciso instalar câmeras de vigilância por todos os cantos, e quando as lentes estão voltadas para alunos e professores é porque algo muito sério e errado está em questão. Trata-se, literalmente, de um processo de “des-moral-ização” da escola e seus atores.
Quando a vigilância vem de fora é porque de dentro dos indivíduos não se pode esperar por mais nada. É porque a escola – e a família – falharam no seu principal papel: estimular a formação de princípios éticos e morais para regerem com correção e senso de coletividade a vida das pessoas e dos grupos.
A aparente comodidade da segurança oferecida pelas câmeras esconde a absurda insegurança moral que se aloja nas pessoas.
A escola não pode permitir que a restrinjam a espaço de formação de saberes. Antes disso, deve se empenhar por ser o ambiente favorável e estimulador do debate, da reflexão e da construção de valores para a cidadania. Educação de qualidade passa, obrigatoriamente, pela instrução cognitiva, pelo amadurecimento psicológico e, antes de tudo, pela construção de valores sólidos e
emancipadores.