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ricardo@lengruber.com

Profissão: professor.


Educar é uma arte!

Sim, trata-se de obra artística a educação.

Por algumas razões. A primeira porque obra é algo realizado apenas por quem consegue transformar. Os artistas plásticos, escultores e arquitetos nos ensinam quão belo é projetar. Vislumbrar antes de existir a obra acabada. Ou melhor, ver antes da obra pronta, mas nunca acabada. A completar-se na visão dos outros; a plenificar-se no deleite do próximo.

Uma outra razão se deve ao fato de que a arte é algo estranho a esse mundo. Você já percebeu que os artistas estão sempre na contra-mão da história. Ou, quem sabe, estão na direção acertada, enquanto os mortais desfilam logicamente rumo ao fim, ao ponto final.

Há uma tela de Edward Münch chamada O Grito. Enquanto as superpotências do mundo afirmavam-se pela força, pelas armas e pelo ‘progresso’, o artista gritava pelos sons das cores e chocava os modernos tanques da Segunda Guerra e os poderosos aviões de combate. Interessante: os aviões caíram, os tanques enferrujaram, os soldados tornaram-se anônimos, mas Picasso continua gritando.

Ludwig van Beethoven, quando se descobriu surdo, passou a compor como ninguém mais faria igual. Seu lamento, sua dor, suas paixões e sua bravura constroem verdadeiras casas para se morar. É como se pudesse voltar para aquele lugar de onde nunca deveríamos ter saído. Os sons de Beethoven são imagens pintadas na alma. Acho que foi por isso que a NASA, quando enviou uma sonda para o universo sideral, sem rumo e sem destino, levando consigo informações sobre essa pequena poeira celeste chamada Terra, escolheu a Nona Sinfonia para exemplificar o que chamamos de Música. Beethoven morreu sem ouvi-la, mas não sei se alguém conseguiria viver sem ouvi-la.

Parece que ela sempre existiu.

Quando Michelangelo esculpiu o Moisés, ele fitou-o e disse-lhe: ‘Parla!”

O artista só consegue obrar o que tem vida. Não porque ele seja capaz de fazê-la. Mas porque é alguém que consegue mergulha-la.

Acho que era por isso que os hebreus, quando explicavam suas origens, diziam que Deus criou o mundo. O verbo criar (bara’) só tem como sujeito o próprio Deus. Qualquer obra humana nada mais é que a participação na criação divina. Não sei se somos a imagem e a semelhança de Deus ou vice-versa, mas o fato é que em se tratando de Arte, ninguém melhor que Deus-homem, ou, se preferirem, Homem-deus.

O professor é um artista por causa de tudo isto. E não concordo com o discurso dos pedagogos que reclamam para si o título de educadores, alegando serem mais que meros profissionais da educação.

Isso não faz sentido nenhum. Pedagogos querem conduzir as crianças; para onde? de onde? por que caminho? como? Acho uma bela, mas inviável, pretensão. Crianças não são ‘conduzíveis’. Graças a Deus! Educadores querem ensinar. O que querem ensinar? Haverá algo a se ensinar realmente?

Professores são diferentes. São seres capazes de professarem-se ao mundo, revelarem-se. São capazes de deixar sua alma à flor da pele. Se me permitem, parafraseando o Chico, ser professor é “não ter certeza e nunca ter, não ter conserto e nunca ter, não ter tamanho … é viver nas idéias dos amantes, e cantar como os poetas mais delirantes e jurar como os profetas embriagados … é viver nas fantasias dos infelizes … é não ter vergonha, não ter juízo … em todos os sentidos … é o que não faz sentido.”

Professor é profissão, por que é dizer-se! É ser artista de si mesmo! Professor, profissão, professar-se. Professor é confessar de si ao seu mundo, seu palco.

Os professores são cozinheiros para os paladares mais refinados: as crianças. Cozinham arroz e feijão com sabores de guloseimas; temperam com sorrisos e assam no forno do Tempo.

O Talmude Judaico diz que um homem só o é verdadeiramente depois de plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho.

Professores são homens na acepção mais límpida da palavra. São humanos! Plantam árvores sob cujas sombras provavelmente nunca vão refrescar-se. Escrevem livros inteiros sem uma folha de papel. Têm filhos como as estrelas do céu – para onde enviaram a Nona de Beethoven – ainda que possam ser estéreis.

A fertilidade do professor está na sua ‘articidade’. Não sei se esta palavra existe, mas não outra melhor. Ser professor é ser capaz de fazer arte como fazem-na as crianças.

Educar, eu disse acima, é uma arte. Não sei se há acerto nisso … Educar, me parece, é prestar serviços educacionais.

Professorar, isso sim, é uma arte! Professores, esses sim, são artistas!

Para terminar, passo a palavra ao Chico mais uma vez:

Imagino o artista num anfiteatro

Onde o tempo é a grande estrela

Vejo o tempo obrar a sua arte

Tendo o mesmo artista como tela.

Modelando o artista ao seu feitio

O tempo, com seu lápis impreciso

Põe-lhe rugas ao redor da boca

Como contrapesos de um sorriso.

Já vestindo a pele do artista

O tempo arrebata-lhe a garganta

O velho cantor subindo ao palco

Apenas abre a voz, e o tempo canta.

Dança o tempo sem cessar, montando

O dorso do exausto bailarino

Trêmulo, o ator recita um drama

Que ainda está por ser escrito.

No anfiteatro, sob o céu de estrelas

Um concerto eu imagino

Onde, num relance, o tempo alcance a glória

E o artista, o infinito!

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