Sobre cansaço e confiança
o Bennett e a Teologia (2012)
Sou Professor de Teologia há 17 anos. Sou Professor de temas relacionados à Fé e à Bíblia, na Escola Dominical, há mais de 22 anos. Ingressei no Seminário com apenas 17 anos de idade, recém saído do colégio. Leio e estudo a Bíblia desde a adolescência. Minha biblioteca é razoavelmente cheia e atualizada; nada que fuja aos fundamentos da Teologia e dos Estudos Bíblicos; são mais de cinco mil títulos relacionados àquilo a que sempre me dediquei estudar, escrever e ensinar.
Mesmo nomeado pastor em igrejas na região metropolitana do Rio, bem como no interior do estado, nunca deixei de estudar. Cursei outra faculdade (História), fiz duas pós lato-sensu, concluí o Mestrado e o Doutorado. Escrevi seis livros (o último está no prelo) e dezenas de artigos acadêmicos e de opinião.
Leciono no ensino superior há 12 anos e, na escola básica, desde os 18 anos de idade.
Nunca fiz outra coisa na vida a não ser estudar e me preparar para entrar em sala de aula e ter algo a dizer e ensinar aos meus alunos. No Bennett, em especial, encontrei o espaço de realização profissional que sempre me deu sentido e força para estudar e avançar. Não porque as condições fossem ou sejam as melhores, mas porque no Bennett tenho o espaço para ensinar sobre o que mais amo na vida acadêmica: a Teologia.
Faço parte de uma equipe de irmãos que se tornaram amigos, amigos que se fizeram irmãos (mais do que de sangue) de fé e de caminhada. Gente séria e abnegada que, como eu, tem na Teologia um espaço de realização profissional e, mesmo, existencial. Professores que encontraram na Teologia uma forma autêntica de experimentar e professar a Fé. Me orgulho muito de tê-los como amigos e com eles cultivar a liberdade da parceria e do diálogo. A vida e as experiências que tivemos juntos nos uniram significativamente.
Houve aqueles que caíram ao longo dos anos, mas muitos, mesmo distantes, ainda pertencem ao núcleo de amizade e cumplicidade que construímos ao longo dos anos.
No Bennett, tivemos, profissionalmente, as maiores alegrias e as maiores tristezas e decepções também. Sempre experimentamos a interferência da política eclesiástica e com ela tentamos estabelecer a relação de resistência, denúncia e, paradoxalmente, do diálogo e do respeito. Fizemos, inclusive, amigos nessa ambígua e difícil relação.
Experimentamos as dificuldades inerentes ao trabalho. Carga horária sempre em redução; condições de trabalho sempre difíceis; biblioteca sempre desatualizada; alunos nem sempre tão dedicados; salários sempre em depreciação; insegurança sempre alimentada pela falta de informação.
Vimos uma instituição viva e cheia de energia ir se definhando dia após dia. Perdemos, inclusive, o bálsamo do convívio semanal com os colegas professores em função do esvaziamento do campus em virtude do Ead. Passamos semestres inteiros sem nos ver e, ainda assim, alimentado a nostalgia da saudade e o desejo pelo reencontro.
Sempre lutamos por uma Coordenação academicamente séria e consistente, mas sempre esbarramos na intrasigência institucional. Pena que só agora – quando o barco já está à perigo – que o Prof. Levy Bastos teve a chance de assumir o leme. Isso é uma – entre tantas – injustiças que a “vida” nos reservou.
Houve um momento que, diante do desrespeito total aos direitos trabalhistas, fizemos Greve! Já imaginaram o que é um grupo de professores/pastores, com nomeação episcopal, numa instituição da igreja, se unirem (e liderarem) colegas docentes de outros cursos numa mobilização de reinvindicações, paralisações e greve? É muito! Para alguns – como eu – custou receber ameaças e insinuações institucionais sérias.
Houve outro tempo que, no meio de um recesso escolar, fomos convidados a uma reunião e, surpreendemente, recebemos o aviso prévio e o comunicado de demissão. Não aceitamos! Resistimos! Em nome da Igreja e dos Cânones dela, não assinamos o atestado de óbito da Teologia. Ao contrário, ativa e objetivamente, propomos alternativas ao não fechamento do Curso e discutimos o lugar da Teologia na Igreja e na Sociedade. Por iniciativa nossa, oferecemos trabalho gratuito para reerguer a instituição. O diretor caiu e a Teologia permaneceu de pé. Continuamos em classe, com o mesmo labor e a mesma dedicação.
Esse corpo de professores nunca deixou de estudar. Sem um milímetro de estímulo, sempre buscamos, com recursos e empenho próprios a atualização e a especialização. Se somos Mestres e Doutores e somos especializados, cada um, em sua área de concentração e pesquisa, é porque corremos atrás disso e nunca nos deixamos abater pelas intempéries desse mar bravio.
Não aceitarei pesar sobre mim e sobre meus colegas a acusação de omissão ou conivência! Nunca aceitarei isso! Isso – se houver – revelará má-fé ou ignorância de quem o fizer.
Mas devo dizer que estou cansado. Muito cansado. Mais cansado do que gostaria de estar. Acho que posso dizer em nome de colegas: estamos cansados. Cansados de lutar sozinhos contra uma onda que é desumanamente maior que nós e que, impiedosamente, inundará toda nossa praia de esperança.
Lamento que a Igreja não pareça dar a importância que a Teologia tem. O tempo – senhor que cobra juros pelos dias perdidos – mostrará o erro que está sendo cometido.
Espero em Deus que a sensibilidade fale mais alto e que as lideranças que hoje têm a caneta na mão não decidam irresponsavelmente sobre o futuro da Igreja e, especialmente, sobre os destinos da Teologia. A História cobrará, seguramente, seu preço. A quem muito é dado, muito é cobrado também.
No mais, quero dizer que estou cansado sim, mas estou de pé! Honradamente de pé e disposto a continuar dando minha dedicação e meu cuidado para manter viva a chama da Teologia no Bennett e/ou na Igreja Metodista na 1a RE.
Deus salve o Bennett
Mais uma vez: sobre o Bennett e sua Teologia
[um clamor pela ética na Igreja]
2013
Quando conheci o Evangelho, na adolescência, foi por intermédio da Igreja Metodista que aprendi o que significa seguir a Cristo.
Desse primeiro encontro, seguiram-se muitos outros; em cada nova experiência vivida, novas descobertas foram feitas e isso se seguiu até que me encontrei com a Teologia e dela aprendi mais e melhor sobre a Fé, a Igreja e sobre o próprio Deus.
Para mim, Teologia é, fundamentalmente, experiência de Fé. Uma fé que me ajuda a compreender a vida e dela fazer uma experiência crítica, porém, interativa, transformadora e, acima de tudo, emancipadora.
Por meio da Teologia, aprendi a compreender melhor a Igreja. Não fosse a Teologia, talvez já tivesse dado as costas à instituição. Foi a Teologia quem me ajudou a relevar as mazelas institucionais da Igreja e me fez ver com maior clareza que a dimensão presencial e histórica da Fé pode se dar de modo privilegiado por intermédio da Igreja e suas instituições. A Teologia me fez ver que a Igreja está no mundo para transformá-lo por sua ética.
Por isso, preocupo-me muito com o eventual fechamento do Bennett; mas me preocupo, ainda mais, com o fechamento do curso de Teologia e sua migração para um seminário regional.
Em primeiro lugar, minha preocupação é porque uma instituição de mais de um século de existência não pode simplesmente fechar. As instituições confessionais nasceram no Brasil com uma missão muito clara. De certa forma, foram elas que abriram as portas para que a Igreja encontrasse seu lugar na sociedade brasileira da virada do século XIX para o XX. Fechar uma dessas instituições é dar sinais que a Igreja mais está se assimilando a este mundo, em detrimento de sua necessária e evangélica postura promotora de transformação deste século (Rm 12).
Sei – como administrador – que há mil razões para que isso esteja ocorrendo. Mas é hora de levantar um clamor pela mantença do Bennett. O Rio de Janeiro precisa do Bennett. A Igreja Metodista no Brasil precisa do Bennett, pois é o Bennett quem dá consistência histórica e ideológica para essa Igreja aqui no estado. A despeito dos sérios e impeditivos problemas pelos quais passa a instituição, é momento de estabelecer prioridades. Julgo que não possam haver prioridades que não incluam a salvação e a reestruturação completa dessa instituição educacional.
Talvez a saída esteja na educação popular. Da mesma forma que, no passado, o Bennett marcou a posição da Igreja na sociedade e mostrou o que significava uma educação republicana e de qualidade primorosa (num tempo em que o Estado sequer via educação como valor); hoje, o Bennett deve interpelar esse mesmo Estado (que já está sensível à educação como valor) no tocante à educação como patrimônio imaterial que deve ser oportunizado a todos indiscriminadamente. Acredito que a única forma de promovermos uma justa e real distribuição de renda nesse país passe, obrigatoriamente, pela Educação. Quando a Igreja fecha o Bennett, ela dá as costas a sua Missão! “De que vale ganhar o mundo todo e perder a própria alma?”.
Em segundo lugar, preocupo-me com o fechamento da Faculdade de Teologia. Um dos primeiros cursos superiores de teologia devidamente reconhecido pelo MEC não pode ser fechado e transformado num seminário regional. Isso é violação de direitos de uma geração toda que lutou, trabalhou e se formou para que isso pudesse acontecer.
Não podemos nos calar e simplesmente consentir. A Teologia do Bennett não pode fechar! A Igreja precisa, novamente, estabelecer suas prioridades, e, nelas, incluir a Teologia em grau universitário. Não só por ser uma conquista da Igreja, mas, antes, por ser sal nessa terra onde o saber virou mercadoria e a ética passa ao largo dos bancos escolares. A Teologia é a forma academicamente séria e consistente de falar a esse mundo do Evangelho de Cristo. Uma Igreja sem Teologia é como uma estátua de metal precisoso calcada em pés de barro!
Dizer que esse papel vai ser ocupado pela, igualmente competente, Faculdade de Teologia da Igreja Metodista em São Bernardo é o mesmo que dizer que a Igreja quer diminuir e se acocorar. O que precisamos, diferentemente de fechar instituições, é abrir novas outras e facultar a mais e mais irmãos o acesso a Teologia como experiência edificante na Fé e crítica humana e evangélica desse nosso mundo.
Aceitar que a Teologia seja reproduzida por EaD (Educação à Distância), indiscriminadamente, é imoral. As novas tecnologias são benvindas e devem ser meio de acesso aos cantos ainda não alcançados por quadros qualificados da Igreja. Aceitar que uma única instituição faça teologia pelo país todo é o mesmo que ignorar a própria dinâmica da Fé, que é plural e multifacetada.
Sei que os colegas da Fateo serão sensíveis a esse clamor e moverão seus esforços para não permitir que sua instituicão venha amealhar alunos nos espaços onde esses podem e devem estudar presencialmente numa instituição séria e com professores comprometidos.
Por fim, minha preocupação é moral. O que farei com meu diploma? Para onde apontarei minha vida acadêmica? O que escolherei sobre minha vocação?
Quando me vi chamado a servir a Deus na Igreja por meio da Teologia, tratei de investir todos os meus esforços nos estudos e na especialização teológica. Descobri que a pesquisa e a prática teológica andam de mãos dadas. Descobri que uma Igreja sem uma Teologia consistente é como folha seca que fácil se dispersa pelo vento. Sinto-me como quem foi deixado para trás. Nunca me chamaram para discutir a questão. Lembro-me, apenas, de um aviso-prévio que me neguei a receber em um mês de julho não muito distante. É lamentável que a Igreja esteja agindo assim!
Sei, todavia, que Igreja não age dessa ou daquela forma. Quem age são pessoas. Homens e mulheres concretos, com nome, sobrenome, identidade e cargo. A esses, dirijo meu apelo: - salvem o Bennett; salvem a Teologia!
Termino com a certeza de que poderei ver o ocaso de Bennett e da Teologia, mas não amargarei o arrependimento de ter me calado. Não me calarei!
Deus salve o Bennett!