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Prof. Ricardo Lengruber (ricardo@lengruber.com)

Há que reconstruir


Não há quem negue a realidade preocupante que vivemos no que diz respeito ao meio ambiente. É lugar-comum a máxima de que habitamos um mundo que sofre cada dia mais para nos fornecer os recursos que julgamos carecer. A se ter por modelo a forma de progresso e de consumo do mundo dito desenvolvido, os recursos naturais que o planeta provê são insuficientes para manter a vida de boa parte dos habitantes da Terra. Em outras palavras, é fato que a forma de vida que queremos ter não é a que podemos ter.

Diante disso, há duas preocupações a se ter: uma tem a ver com o modo de vida que construímos e outro tem a ver com o que podemos fazer para reverter o rumo das coisas.

Não é razoável que mantenhamos rumo desenvolvimentista que tomamos, tampouco é plausível que persigamos a todo custo o progresso e o crescimento econômico como alvos indispensáveis das civilizações contemporâneas. Mas também há que se ponderar sobre a disposição de cada um de nós em abrir mão do conforto e do bem estar que os avanços tecnológicos do mundo de hoje fornecem a cada indivíduo. Não há como entabular um discurso cínico e, simplesmente, culpar o progresso civilizatório, sem se levar em conta como éramos há cinco ou cinqüenta séculos e como estamos hoje e como poderemos estar amanhã.

Talvez o que esteja em jogo, então, seja mais profundo do que a sedução com a qual o conforto dos computadores nos laça. Talvez haja um sentido mais radical na vida que ainda não conseguimos verdadeiramente captar. Mas que sentido é esse? Onde encontrá-lo? Como alcançá-lo?

De outro lado, estão as muitas iniciativas de reversão do quadro das coisas. De forma mais direta, as muitas campanhas de conscientização que invadiram os discursos sociais nas últimas décadas. Não faltam ONGs e “filosofias” de proteção ao meio ambiente e de preservação dos recursos naturais.

Mas, de modo geral (e correndo o risco de ser simplista), ou se peca pelo romantismo ingênuo ou pelo pragmatismo desencantado.

Em alguns casos, chega a ser risível a postura de determinados grupos preocupados com a salvação dos ursos panda nas florestas da China! Não que os pobres animais não tenham que ser alvo da preocupação de todos, mas o problema mora num discurso despolitizado e alheio às reais conexões que levaram a tal situação. Não basta levantar uma bandeira que apele ao sentimentalismo emocionado de crianças e jovens. É preciso mais que isso: talvez seja o tempo de compreender os problemas por suas raízes e combater os males pelas suas essências, sem falsas e descomprometidas pretensões.

Noutros casos, assusta o pragmatismo de setores que vêem na natureza um arsenal de matéria prima a serviço da civilização humana. Discursos escondidos sob a alegação de uma economia “sustentável” camuflam a idéia de que tudo deve seguir seu rumo como antes, mas com alguma preocupação ecológica de fundo (afinal os tempos pedem tal comportamento!).

Se, por um lado, há um romantismo ingênuo que encanta a natureza e a torna num ente sagrado a ser venerada; de outro, há um pragmatismo demente que não enxerga realidade finita e frágil do planeta que nos abriga.

Há que se reconhecer que há muita informação útil circulando sobre a questão e se aplaudir os muitos pesquisadores sérios que fizeram dessa questão um moto de seu trabalho. Mas deve-se, também, por os pés no chão e olhar ao redor a fim de reconhecer o quão pouco temos caminhado noutra direção, que não a do romantismo ou do pragmatismo.

Intuo que a saída possa estar numa refundação dos valores da civilização contemporânea. Uma verdadeira quebra de paradigmas. Para isso, há dois caminhos que julgo imprescindíveis.

De um turno, uma releitura filosófica da realidade. Uma redescoberta dos fundamentos de nossa sociedade. Uma reflexão séria que olhe por trás das coisas e julgue com isenção as colunas políticas, éticas, econômicas e culturais de nossa forma de organização familiar, comunitária e social. Se a tarefa da Filosofia é compreender os fundamentos sobre os quais nos edificamos, talvez seja o tempo de abandonar o exercício de mera repetição das lições do passado e ousar refazê-las sob a ótica da transformação. Nada que se constrói se faz sobre o nada; sempre há alicerces. Urge que se refaçam as fundações de nossa civilização. As reformas já cumpriram seu papel: falharam!

De outro turno, uma nova experiência existencial (por que não dizer religiosa?). Há em nós algo nos transcende. Razão pela qual há que pensar sobre a domesticação promovida pelas muitas instituições dessa força intrínseca. Vivemos um tempo em que uma nova Teologia é requerida. Uma reflexão sincera sobre a fé (e a partir dela); algo que permita ao indivíduo ser ele mesmo, sem os enquadramentos castradores das falsas instituições.

Talvez esteja na hora de reconhecer que precisamos menos dos velhos saberes de sempre e abrir as portas para novas formas de enxergar o mundo. Basta de ciência desprovida de coração e de política descomprometida com a ética. Basta de religião que não cultiva uma verdadeira espiritualidade e de filosofia que não pensa livremente sobre a vida. É tempo de reconstruir ... desde os fundamentos.

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